Apesar da crescente discussão sobre desigualdade de gênero e dos recentes avanços na conquista de direitos pelas mulheres brasileiras, a realidade ainda nos impõe grandes desafios para mitigar os principais problemas enfrentados por elas e abolir, de fato, a desigualdade.
A violência de gênero e o medo da violência ainda marcam a vida cotidiana das mulheres, dentro e fora de suas casas. Ainda vivemos uma cultura que faz “vista grossa” diante da invasão do corpo e da intimidade das mulheres.
Uma pesquisa do instituto Market Analysis ouviu mulheres em todos os estados brasileiros e revela que a violência de gênero ainda é realidade para uma parcela bastante significativa da população. A pesquisa demonstra que, ao longo dos últimos 12 meses, uma em cada três mulheres brasileiras (33%) sofreu algum tipo de agressão física ou psicológica, ou assédio sexual.
Entre as vítimas mais frequentes de violência e abuso estão as mulheres jovens, inseridas no mercado de trabalho. Pelo fato de circularem por múltiplos âmbitos, as chances de exposição a potenciais situações de abuso aumenta entre mulheres desse perfil.
Metade das jovens com 17 ou 18 anos sofreu algum tipo de violência ou assédio em 2017, e essa incidência se reduz gradualmente na medida em que a idade aumenta, com uma em cada dez mulheres de 45 anos ou mais reportando terem sido vítimas.
A mulher jovem torna-se alvo da desigualdade e da violência num processo na qual ela muitas vezes termina sendo reduzida a um objeto e não é mais vista como um sujeito que tem direitos e aspirações. Talvez o ponto mais relevante dessa forte objetificação da mulher jovem no Brasil seja a dificuldade que ela enfrenta para ser respeitada como cidadã com interesses e habilidades além de sua aparência física ou do desempenho de papéis tradicionais associados ao casamento e ao ambiente doméstico.
A pesquisa ainda revela que a violência não está limitada apenas às populações mais vulneráveis da sociedade. A incidência de relatos de violência de gênero é semelhante em todas as classes sociais: uma em cada cinco mulheres, independentemente de seu meio social e econômico, sofreu violência de gênero no último ano. No entanto, em se tratando de abuso sexual, há uma diferença importante na identificação de assédio entre mulheres de diferentes rendas: aquelas com maior renda afirmam terem sido vítimas de assédio com mais frequência (34%). Já as de menor renda tendem a perceber essa violação com menos frequência, com índice abaixo da média nacional (18%). Na medida em que a população mais pobre está mais exposta à violência social, é plausível supor uma naturalização ou minimização dos atos abusivos, não identificando como assédio situações que mulheres com melhor condição socioeconômica consideram como tal.
O estudo ainda mapeou as percepções de desigualdade e violência de gênero na América Latina e na América do Norte para obter um panorama da situação da mulher em nosso continente. A análise possibilita observar a posição de nosso país dentro de um contexto mais amplo.
A violação dos direitos das mulheres é um tema de grande relevância em todo o continente americano, uma vez que aproximadamente seis em cada dez entrevistadas nos países pesquisados afirmam acreditar que os direitos das mulheres são “pouco ou nada” respeitados (56%), contra 44% que acreditam que eles são “muito” respeitados.
No entanto, as disparidades entre os hemisférios são bastante notáveis. A vasta maioria das norte-americanas (84%) afirma que seus direitos são “muito” respeitados, uma proporção que cai significativamente, para meros 36%, na América Latina.
Enquanto a América do Norte se destaca pelo respeito aos direitos das mulheres, dois terços das latino-americanas (64%) afirmam sentir que seus direitos são pouco ou nada respeitados em seus países, um índice significativo que reforça a necessidade de mais ações de mitigação da desigualdade e da garantia de direitos na América Latina. Todavia, é curioso perceber que mesmo em países que parecem estar mais avançados no que diz respeito à garantia dos direitos das mulheres, como Canadá e Estados Unidos, a violência de gênero e o assédio ainda são temas presentes. Nesses países, 16% e 22% das entrevistadas, respectivamente, foram vítimas de assédio.
Ao colocar o foco no Brasil, chama atenção que o país tenha o quarto maior índice de assédio nas Américas (23%), e que duas em cada dez mulheres brasileiras tenham sido vítimas de violência no último ano. Ou seja, mesmo tendo uma das leis mais avançadas do mundo contra a violência de gênero, a Lei Maria da Penha, e frente às notáveis mudanças comportamentais recentes da sociedade, o Brasil ainda enfrenta barreiras para desarticular costumes machistas e discriminatórios que impulsionam esse tipo de agressão e abuso.
Os dados da pesquisa indicam que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer no sentido de desmantelar o conjunto de práticas que mantém e confirmam as desigualdades de gênero e machismo. Apenas por meio da visibilidade dessa temática será possível desnaturalizar a violência e promover avanços na igualdade de gênero.
“Mulheres: percepção de direitos e exposição à violência” – por Market Analysis e WIN Américas.
Pesquisa realizada por meio de entrevistas online com 1019 respondentes de 128 cidades de grande e médio porte no Brasil, e um total de 5.982 mulheres de 17 anos ou mais em 11 países que cobrem 87% da população do continente americano. No Brasil, homens e mulheres com 17 anos ou mais, pertencentes a todas as classes socioeconômicas, foram entrevistados entre os dias 23 de novembro e 4 de dezembro de 2017. Cotas cruzadas de idade, sexo e classe social foram estabelecidas para garantir a representatividade de todos os grupos demográficos na amostra.
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