Folha de pagamento incontrolavelmente alta, contas de luz e água vencendo, despensa vazia, assim como a conta corrente. “Precisamos captar mais recursos”, diz um dos dirigentes, em uma das poucas vezes em que se consegue reunir o corpo diretivo da entidade. Em seguida, seguem para as idéias de como irão engordar aqueles dígitos, que constantemente aparecem em vermelho: Bingo! Inventou a roda, não? E partem, então, para a dura jornada de vender convites entre a comunidade, sem falar na árdua tarefa de coletar prendas para o sorteio. Como os bingos mais parecem programas de índio, muitos compram o convite e sequer comparecem, tornando o evento um grande fiasco. Não menos criativos são os bazares. É necessário entender que a filantropia se tornou algo sério, não é mais caridade. É responsabilidade social (não querendo ser repetitivo, já que, agora, responsabilidade social é moda). Não há mais espaço para a mendicância, nem para doações baratas. É necessária uma política séria de captação de recursos e, mais que isso, ter um planejamento para que a mesma se torne constante, o que pode dar trabalho no começo, mas sua continuidade é certa. A Instituição Vida Jovem, que assiste cerca de 30 crianças e adolescentes entre 4 e 15 anos em suas quatro unidades, tem uma forma bastante peculiar de aumentar seus recursos. Às segundas-feiras, os freqüentadores do bar Favela (um barzinho da moda em um dos bairros mais chiques de São Paulo) se divertem no happy hour tomando um chopinho e beliscando um petisco rodeado de amigos. Ao pagar a conta, sabem que estão deixando 10% para a entidade. “É um dinheiro certo, que entra toda semana”, comenta aliviada a diretora da instituição. Ledo engano achar que instituições que são beneficiadas com promoções e recursos do Segundo Setor são privilegiadas. Exatamente por esse motivo, muitas entidades ficam de braços cruzados esperando que o empresário “salvador da Pátria” bata na porta e resolva todos os problemas bancários da instituição. “É necessário correr atrás, criar alternativas e alicerçar-se em promoções com empresas”, enfatiza Custódio Pereira, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos). Uma boa política de captação de recursos deve descaracterizar a sensação de mendicância da entidade e fazer com que o doador prefira consumir algum produto que destine parte da verba a ações sociais do que produtos que não tenham tal objetivo. Assim, em uma atividade cotidiana, como jantar fora, por exemplo, o consumidor paga a conta e pratica o bem.
“É necessário correr atrás, criar alternativas e
alicerçar-se em promoções com empresas”, Custódio Pereira Presidente da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos)
É o que vem fazendo o Restaurante Spadaccino e a Associação Viva e Deixe Viver. Em uma ação gastronômico-social, o cliente do restaurante, ao escolher a “Sugestão do Chef”, além de saborear uma receita exclusiva, estará contribuindo para a Associação e recebendo, como lembrança, um prato de porcelana que representa o trabalho do Viva. 50% da renda daquele prato, que gira em torno de R$ 35 cada, é destinada às ações do Viva. Até o final de março, a mesma ação será lançada no Spadaccino Al Mare, do Projeto Tamar, Praia do Forte e na filial da Costa do Sauípe, abrindo espaço para o desenvolvimento da “Letra Viva”, afiliada baiana da Associação Viva e Deixe Viver. Muitas dessas iniciativas partem do próprio empresário, vendo que seu negócio pode afundar se não se preocupar em ajudar a comunidade em que está estabelecido ou praticar a filantropia de alguma maneira. Mas essa mão não é via de regra. Pode-se muito bem trabalhar de forma inversa, em que o dirigente da entidade procura empresários que estejam dispostos a fazer promoções com seus produtos, em prol daquela instituição. Essas ações tendem a se perdurar por vários meses ou, até, anos, o que certamente dará um alívio e uma sobrevida à entidade. Uma entidade pode ter esse tipo de convênio com várias empresas e com os mais diversos tipos de produtos ou serviços de um happy-hour a um par de sapatos - desde que, por ética e bom senso, não o faça com concorrentes diretos. Quanto mais recursos, melhor afinal, o “lucro” resultante dessas ações será todo revertido à prática do bem e do desenvolvimento social do Brasil.