A profissionalização da gestão de projetos e programas sociais é cada vez mais discutida e procurada pelas organizações da sociedade civil, mas ainda há um enorme vácuo entre o fortalecimento das atividades meio ou de suporte, e a gestão daquelas que, de fato, transformam vidas e comunidades.
A gestão das organizações tem se desenvolvido por meio de colaboradores mais capacitados e da contratação de gestores profissionais, como destacou Sérgio Lopes na Revista Filantropia #87. Áreas como planejamento, marketing, finanças, auditoria, contabilidade, sistemas internos e recursos humanos estão em constante desenvolvimento dentro das organizações.
Naturalmente, a estrutura administrativa e operacional da organização, sua equipe executiva e de suporte e seus sistemas refletem nas chances de sucesso dos projetos e programas. Porém, a melhoria da eficiência em projetos e programas e, consequentemente, do impacto social positivo gerado, não deve ser esperada como uma consequência natural do fortalecimento da gestão organizacional, mas de um esforço específico na capacitação das equipes de projetos.
Há uma certa injustiça na expressão “profissionalização do terceiro setor”. Os educadores, agrônomos, profissionais de saúde, economistas, psicólogos, entre outros que atuam à frente das atividades de projetos sociais, possuem, em sua grande maioria, uma excelente formação acadêmica e técnica em suas respectivas áreas. Esse conhecimento específico abrange, por exemplo, a identificação dos protocolos de tratamento de doenças, a criação de currículos para escolas, o projeto de sistemas agrícolas aprimorados, ou a análise das principais causas da pobreza, dentre tantos outros.
Contudo, esses profissionais, frequentemente, recebem a demanda de gerenciar projetos sociais e liderar suas equipes, sem possuírem a experiência e as habilidades específicas para a área de gerenciamento de projetos. O que inclui, por exemplo, saber identificar e responder às seguintes questões: as estimativas dos projetos são precisas? Os planos dos projetos são abrangentes e detalhados? O andamento do projeto é monitorado em todos os níveis? As mudanças sociais, que o projeto deseja solucionar, estão sendo alcançadas?
Enquanto esses especialistas possuem o conhecimento necessário para implementar atividades que contribuem diretamente para os resultados esperados, o gerente de projeto ou de programa, por outro lado, deve focar no desafio de coordenar, criar sinergias e encontrar formas de ampliar o impacto em geral.
Se compararmos uma organização que promove a agroecologia familiar, por meio de projetos sociais, com uma empresa de tecnologia da informação (TI), podemos descobrir que ambas possuem profissionais com mesmo grau de experiência e formação nas áreas de suporte. Na empresa de TI, os projetos não são gerenciados por programadores que tenham alguma noção em gestão de projetos, mas por gerentes de projetos que possuem algum conhecimento no setor de TI. Da mesma forma, o agrônomo não deveria ser o responsável por gerenciar o projeto social da organização, a não ser que esse profissional seja qualificado, ou se qualifique e se especialize, em gestão de projetos sociais.
Há uma necessidade de profissionalizar a gestão de projetos do terceiro setor, sem, obrigatoriamente, generalizar essa necessidade para as áreas programáticas e atividades-fim.
A gestão de projetos deve ser abrangente e integrada, demonstrando como cada atividade ou cada parte se encaixa para criar um todo, de modo consistente e sistêmico. Numa perspectiva organizacional, todos os projetos dentro de uma organização se relacionam com as atividades de suporte e com outros projetos, em maior ou menor grau. O trabalho de um complementa o do outro e contribui para alcançar o impacto da organização.
Se o gerenciamento de projetos não estiver alinhado com a administração e operação da organização, os projetos podem, rapidamente, começar a operar como entidades independentes, comprometendo seu escopo e dificultando que os objetivos estratégicos da organização sejam alcançados.
O desenvolvimento dos gerentes e equipes de projetos, por meio da capacitação ou contratação de especialistas (em gestão de projetos), permitirá que compreendam o papel de cada serviço de suporte da organização. Entender como a organização funciona significa conhecer, suficientemente, as técnicas, regras, ferramentas e conceitos de cada um desses setores.
Por outro lado, como muitos dos profissionais da área de suporte são oriundos do setor comercial, ou adquiriram seu conhecimento por meio de cursos e capacitações voltados para esse setor, sua compreensão do contexto dos projetos, normalmente, difere daquela no terceiro setor.
Projetos e programas sociais são executados em lugares remotos, lidam com os mais diversos e complexos problemas – globais e locais – que variam da extrema pobreza e conflitos armados, a surtos de doenças infecciosas e violências baseadas em gênero, origem e poder econômico.
Como ainda são poucas as oportunidades de treinamento e capacitação nas áreas de suporte específicas para o setor social, os integrantes dessas áreas precisam vivenciar as atividades “de campo”, se possível, na prática. Se esses membros dedicassem um dia por trimestre para participar das atividades-fim dos projetos, prestariam melhor suporte e orientação, pois conheceriam realmente o que, de fato, a organização desenvolve, acompanhando de perto o impacto positivo para o qual seu trabalho contribui.
Para fortalecer o gerenciamento de projetos é preciso escolher uma metodologia padrão, adaptá-la à realidade e necessidade da organização, combinar com os conhecimentos e técnicas – já adotados pelas equipes de projetos e das áreas de suporte – e garantir que todos na organização conheçam a metodologia no nível de profundidade que sua função exigir.
Da mesma forma que o gerente de projetos precisa conhecer as regras administrativas e financeiras, os critérios de auditorias interna e externa, os requerimentos de segurança dos sistemas de informação e as etapas de um processo de seleção de pessoas, todas as áreas de suporte precisam compreender conceitos e ferramentas como: a identificação de necessidades, portas de decisão, princípios e disciplinas da gestão de projetos, marco lógico, teoria da mudança, dentre outros.
Qual linguagem adotar? Não existe uma metodologia melhor ou mais completa – a escolha deve ser pela mais apropriada para as atividades dos projetos da organização. Por exemplo, uma organização cuja missão é proporcionar moradia digna à população de baixa renda, por meio da construção e reforma de casas, pode adotar uma metodologia mais direcionada a projetos de engenharia, adaptada ao contexto e necessidades de seus beneficiários. Já uma organização que busca reduzir o índice de trabalho infantil no município onde atua pode decidir por uma metodologia com mais instrumentos para identificação e melhoria das condições de ensino e atendimento das crianças, e do desenvolvimento socioeconômico de suas famílias.
Uma vez que todos utilizam uma mesma linguagem, o gerenciamento dos projetos e a gestão da organização podem se desenvolver de forma não apenas integrada, mas também participativa. Gerentes de projetos podem contribuir para a definição de processos e políticas administrativas, de recursos humanos e de sistemas operacionais, enquanto as equipes de suporte podem participar de cada etapa dos projetos, auxiliando na elaboração de orçamentos, identificação e gestão de riscos, definição de cronogramas, gestão de pessoas, e em todas as demais tarefas dos gerentes de projetos.
É preciso ter em mente que o desenvolvimento de uma linguagem comum deve ser um esforço coletivo – em todo o setor – permitindo uma comunicação melhor entre organizações sociais, e destas com parceiros governamentais, empresariais, financiadores e beneficiários.
Apesar de já sermos mais de 20 mil profissionais certificados em um dos conjuntos de boas práticas mais difundido e reconhecido internacionalmente, para projetos sociais, o PMD Pro (PM4NGOs e APMG), há ainda um longo caminho a percorrer. Uma vez que, para o setor empresarial, se combinadas as principais metodologias e guias de boas práticas corporativas, para gestão de projetos, como o Prince2 (Axelos), PMBOK (PMI) e ICB4 (IPMA), o número de profissionais certificados ultrapassa de um milhão e novecentos mil.
O desenvolvimento da cultura de gestão de projetos é parte fundamental da profissionalização das organizações da sociedade civil, aumentando sua capacidade de captar recursos e melhor geri-los. E o mais importante, aumenta sua capacidade de gerar um impacto positivo maior para a sociedade.