Ao menos as pessoas da terceira idade não esquecem o caos de outrora para se obter uma linha telefônica fixa, com as filas de espera intermináveis para se inscrever, quiçá receber a instalação de telefone nos seus lares; pessoas que se engalfinhavam na busca de senhas, o mercado negro que se deliciava vendendo, a preço de ouro, o mero direito oneroso de falar telefonicamente com outra pessoa, fazendo com que o preço saltasse aos olhos das classes menos favorecidas.
Não foi diferente com a energia elétrica, com o abastecimento de água, gás, com o transporte, com as rodovias e outros tantos serviços. Foi preciso coragem e astúcia para abrir as portas à privatização, cujos reflexos benéficos são sentidos até hoje. Contudo, boa parte do que ficou sob a batuta do Estado apodreceu. Vejamos o caso das companhias aéreas, ferroviárias, petroleiras, siderúrgicas e até os bancos. O que não apodreceu, adoeceu, infectou-se de bactérias humanas, servis a loteamentos políticos, corrupção, cabides de empregos para correligionários e, depois de quase falidas, estão sendo passadas às mãos técnicas para tentar salvá-las e/ou sendo entregues à iniciativa privada por meio de apressadas privatizações.
Enfim, sabendo que o monopólio estatal não interessa ao Estado e tampouco aos cidadãos, pergunta-se: “A quem ele interessa, a não ser a determinados arautos e assaltantes que supostamente integram o poder?”.
Partindo dessa visão, abstraem-se significativos R$ 85,9 bilhões, apenas do orçamento público federal, que foram destinados por meio de transferências sociais para Assistência Social em 2018. Incluindo o montante destinado para manter o benefício para prestação continuada, como por exemplo: (i) ao idoso com 65 anos ou mais; (ii) à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo (aqueles que produzem efeitos pelo prazo mínimo de dois anos, conforme atual redação da LOAS, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial; e (iii) àquele que aufere renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, conforme definido no art.20, §3º da LOAS. Já o valor auferido que o Estado deixa de arrecadar das entidades sociais ante sua limitação ao poder de tributá-las atingiu mais de R$ 3 bilhões em 2018.
Não obstante a todo esse amontoado de recursos públicos, guardada a significativa eficiência de parte dessa construção em investimento social, é certo que há anos o Brasil vem ocupando posições acachapantes no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Atualmente classificado em 79º lugar, estamos atrás de países como Argentina, Costa Rica, Irã, Panamá, Cuba e Sri Lanka, entre outros. Segundo o último senso do IBGE, ainda temos 15,2 milhões de pessoas que vivem na “extrema” pobreza, ou seja, recebendo US$ 1,90 por dia.
Acareando esse cenário econômico, logo suscitamos se o problema é a incipiência de uma política pública social estruturada. Não nos intimida afirmar que essa não é a deficiência que temos, pois o Brasil, depois da última constituinte, construiu a partir da lei orgânica da assistência social sólidos pilares empíricos, além daqueles gestados no campo legislativo, para fortalecer as bases da justiça social. É possível mensurar o exército de colegiados que opera nesse sentido, como o Ministério de Desenvolvimento Social, hoje denominado de Cidadania, os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Assistência Social, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), os Fundos de Desenvolvimento Social, os Conselhos da Criança e do Idoso, sem falar nos órgãos de controle do gasto público social, como os Tribunais de Contas, Secretarias dentro dos Ministérios para expedir certificações sociais, Curadorias de Fundações e Consultorias Jurídicas especializadas. Já na ponta da prestação do serviço social, além da própria administração pública, mais de meio milhão de entes sociais também procura corroborar com o Estado.
No campo constitucional e legal, fontes públicas de financiamento social não faltam. Para desvendá-las, basta uma sucinta leitura nos artigos 60, 61, 74, 76, 80, 81, 82, 84, 195, 202, 212 e 213 da Constituição Federal. Indo mais adiante, assim classificaríamos as fontes financiadoras: (i) Indiretas: que são fruto do direito da imunidade tributária de impostos e contribuições sociais, usufruído pelos entes sociais, artigos 150 e 195 da CF, para que o produto dos tributos seja aplicado pelos próprios entes nas causas estatais que a eles foram delegadas; (ii) Diretas: são os recursos derivados do orçamento para transferências sociais, por ordem constitucional, regulados pela Lei 13.080/15, ora repartidas com base no Decreto 6.170/07, Lei 13.019/14 (MROSC), Lei 8.080/90 (SUS), entre outras.
Ocorre que, ainda que estruturada a política pública social sob o prisma jurídico e econômico, esse mecanismo de mera descentralização estatal mediante o financiamento do social continuará esbarrando na baixa entrega de resultados de minoração de desigualdades. Ou seja, está provado, em verdade, que essa ciranda é estática.
Como se não bastasse, o atual orçamento público atenta contra a manutenção do próprio financiamento social. Basta notar que o déficit do Estado em 2018 foi superior a R$ 130 bilhões. E tudo indica que em 2019 não será diferente, uma vez que foi orçada uma receita líquida de R$ 1,304 trilhão para uma despesa de R$ 1,424 trilhão. Com base nisso, nenhuma genialidade é necessária para se deduzir que o atual governo possui apenas duas alternativas para reequilibrar as contas públicas: aumentar as receitas ou cortar as despesas.
Considerando o contexto financeiro, é induvidoso que as transferências sociais diretas, tais como as indiretas, estão ameaçadas de minoração ante a maior seletividade do trespasse delas, visando mais acuidade do real emprego do recurso público. Elas estão classificadas na lei orçamentária, dentro da rubrica de despesa da seguridade que, ao todo, gravita na ordem de R$ 1,05 trilhão. E, salvo melhor entendimento, é nesse sentido que caminha a nova gestão governamental; acirrar o controle do emprego do recurso público social, pois se abstrai da Medida Provisória 870/19, recém-editada, a qual delegou poderes à Secretaria do Governo em promover o maior controle das organizações não governamentais. Vejamos o texto: “Art. 5º - À Secretaria de Governo da Presidência da República compete: II - supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional;...”.
Todo controle é bem-vindo quando o assunto é orçamento público, porém a história está demonstrando que apenas regular e controlar não passam de pleonasmo no campo social.
O Estado, por força de lei, financia e exige a exaustiva comprovação do emprego do recurso per capita nos fins definidos no instrumento de repasse, por meio de demonstrações contábeis e relatórios de atividades sociais que quantificam informações quanto aos tipos de programas/projetos, seus custos, qualificação das pessoas envolvidas e o volume de atendimentos. Essas informações, se atendidos os parâmetros legais, são suficientes para encorajar o Estado a manter a continuidade do ciclo, que atenua os efeitos mas não resolve a causa. Dito isso, em nada adiantará apertar mais o controle estatal; é necessário ousar, e a privatização da assistência social não deixa de ser uma sedutora e promissora ideia.
Sendo assim, não seria a hora de o novo governo repensar não só um novo e rigoroso modelo de política pública social, mas um novo conceito? Seria ousadia ou até utopia para muitos estudiosos e ativistas sociais refletirem sobre a “privatização da Assistência Social”?
A princípio, sob o berço constitucional e legal, é possível avançar com a reflexão, pois a Carta Política de 1988 prevê que as ações governamentais na área de assistência social devem obedecer, entre outras diretrizes, à descentralização político-administrativa, cabendo também às entidades beneficentes a execução dos programas, tanto na esfera estadual como na municipal. E mais, delegou às organizações o múnus de formular políticas públicas e exercer o controle delas. Na saúde, igualmente conferiu o direito às instituições privadas de participarem do Sistema Único de Saúde. Já na educação, delegou o dever ao Estado de promover o desenvolvimento do indivíduo para o pleno exercício da cidadania, qualificando-o para o trabalho. Na mesma linha que a assistência social e a saúde, o legislador constitucional também comandou que as ações tenham a colaboração da sociedade.
Porém, na prática, como se daria a privatização da Assistência Social?
Que tal iniciarmos citando um modelo externo adotado pelos EUA desde 1897, bem como na Grã-Bretanha e outros países, tido como performance bond? Nele, a iniciativa privada é provocada a participar de um certame para explorar uma atividade eminentemente pública, inclusive de interesse social.
O vencedor recebe do governo, porém uma Seguradora deve garantir o cumprimento da obrigação, eliminando o risco do Estado e oportunizando negócios para as partes que incentivam indiretamente as iniciativas estatais, sem ter de se preocupar com o controle do emprego do recurso público.
Defendemos que esse modelo pode funcionar para a assistência social, “lato sensu”. Como?
Digamos que determinado município queira erradicar o analfabetismo local. Em vez de investir somente em escolas, qualidade de ensino, docentes, controles diretos e indiretos da verba pública, ele passará a licitar para iniciativa privada. Dentre as pessoas de direito privado, preferencialmente as entidades beneficentes, como determina a Constituição - para que assumam esse múnus, por um valor global anual, com a garantia de uma Seguradora. Se houver tergiversação por parte da vencedora, o Estado recebe o dinheiro de volta. Caso haja sucesso, como aconteceu com o ENEM, poderá multiplicar a demanda para outras áreas do município.
Imaginemos um município de extrema pobreza, o qual não protrai recursos locais para bancar transformações sociais. A União abre o certame para a iniciativa privada erradicar a miséria naquela cidade, mediante a entrega de mínimos sociais, com a contratação de performance bond. Ou seja, a Seguradora bancará o ônus, caso não atendidos os anseios do edital, que colocará métricas para mensurar o resultado. Filantrópicas, empresas, bancos e até pessoas físicas providas de garantia poderão participar. Acabará a intermediação do compadrio público, pois a Seguradora é quem fará a seleção e aferição do segurado, e não o Estado.
Vamos para outro exemplo tirado do semiárido, onde as pessoas não têm o que plantar, pois o solo não permite. Abre-se, então, processo licitatório para implantação de cisternas, saneamento básico, postos de saúde e de trabalho. Destaca-se no edital que a prestação de contas, além de comprovar o emprego do recurso público, deve favorecer nominalmente os usuários, gerenciando e comprovando o seu engajamento aos fins. Isso traz métricas objetivas ao Estado, de transformações por microrregiões; tudo garantido por performance bond, ou seja, risco zero para o Estado.
Enfim, tantos outros conceitos podem ser adicionados para contribuir com a ideia da privatização da assistência social. Porém um fato é certo: o Estado não reúne braços para identificar a necessidade social de cada microrregião, o que facilita a evasão do recurso público e assanha a corrupção. Que a nova gestão, munida de uma sincera autocrítica, possa reconhecer que a iniciativa privada é, senão a única, uma enérgica saída para a quebra de todos os males que assolam o Brasil.
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