Levantamento realizado pelo Ipea traz dados sobre as principais características das OSCs brasileiras
Desde 2010, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) faz uma série de estudos e pesquisas acerca do funcionamento das estruturas do Estado brasileiro e como estas se relacionam com as organizações da sociedade civil. Esse levantamento vem contribuindo para a ampliação da base de conhecimento existente sobre as instituições participativas federais, as conexões entre burocracias e grupos de interesse, e o papel e a relevância das OSCs na formulação, na implementação, no monitoramento e na avaliação de políticas públicas.
Em 2016, o Ipea lançou o Mapa das Organizações da Sociedade Civil, uma ferramenta que encontra, por georreferenciamento, organizações em todo o território nacional, e que vem sendo constantemente aprimorada, dispondo de funcionalidades que também ajudam a captar recursos por meio de editais e chamadas públicas ou privadas.
No segundo trimestre de 2018, o Instituto lançou a publicação Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil – resultado do trabalho conjunto entre a equipe responsável pelo Mapa das OSCs e um grupo de pesquisadores e especialistas no tema de universidades públicas, institutos de pesquisa e OSCs articuladoras –, que conta com dados e análises que apresentam um retrato inédito sobre as mais de 820 mil OSCs com Cadastros Nacionais de Empresas Jurídicas (CNPJ) ativos no Brasil, com informações detalhadas da mão de obra ocupada referentes a um universo menor, composto por 525 mil OSCs.
Segundo Felix Garcia Lopez Júnior, organizador do Perfil das Organizações, “este ‘retrato’ é de grande importância, uma vez que o perfil e a diversidade das OSCs fornecem subsídios para que o gestor público formule políticas públicas mais qualificadas e efetivas em parceria com as organizações, além de entregar ao pesquisador um conjunto de dados para formular novas questões sobre o tema, e possibilitar às OSCs e à sociedade conhecerem melhor esse universo”.
Lopez Júnior explica que, para que haja um debate público de qualidade, são requeridos dados consistentes “para apoiar narrativas mais realistas sobre os papéis das OSCs no país, que suplantem imagens difundidas em análises parciais ou preconceitos pouco fundamentados. O Perfil das OSCs no Brasil é um esforço nesse sentido. O ambiente legal do país também demanda mais informações sobre as organizações”.
A publicação contou com duas fontes principais para estimar o número total de OSCs: o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), da Secretaria da Receita Federal (SRF), com dados referentes ao ano de 2016, e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com informações de 2010 a 2015.
De acordo com o levantamento realizado em 2016, existem cerca de 820 mil OSCs com CNPJ ativo no Brasil. Os dados apresentados na publicação retratam um setor amplo, que se expandiu nos últimos anos – apesar da contração ocorrida em 2014 –, com relevância econômica no mercado de trabalho e em ações de interesse público.
Sua distribuição geográfica acompanha, de modo geral, a disposição da população. A região Sudeste é a que concentra o maior número de organizações da sociedade civil (40%), seguida pelo Nordeste (25%), pelo Sul (19%), pelo Centro-Oeste (8%) e pelo Norte (8%). Vale registrar que todos os 5.570 municípios do país possuem pelo menos uma OSC. Quanto à sua localização nas cidades, não há concentração nas capitais, que abrigam 24% da população brasileira e 22,5% das OSCs.
De acordo com o relatório, a região Sul apresenta índice superior de OSCs em comparação ao percentual da população nacional ali residente (19% e 14%, respectivamente). Somente essa região apresenta estados com densidade populacional superior à média nacional.
A publicação do Ipea identificou oito grandes áreas de atuação das organizações brasileiras, que se dividem nas seguintes finalidades: saúde, educação e pesquisa, cultura e recreação, assistência social, religião, associações patronais e profissionais, defesa de direitos e interesses e outras atividades associativas.
As principais finalidades identificadas no levantamento foram “desenvolvimento e defesa de direitos e interesses” e “religião”, o que representa seis em cada dez organizações atualmente em atividade. As 339.104 organizações ligadas à defesa de direitos e interesses representam 41,3% do total de OSCs e estão distribuídas da seguinte forma: 108.337 no Nordeste, 104.526 no Sudeste, 71.424 no Sul, 31.950 no Norte e 22.867 no Centro-Oeste. As 208.325 OSCs com finalidades religiosas, por sua vez, compõem 25,4% do total e 112.713 estão localizadas na região Sudeste, 35.025 no Nordeste, 27.677 na região Sul, 19.353 no Centro-Oeste e 13.557 no Norte.
Em relação à porcentagem de “organizações de desenvolvimento e defesa de direitos e interesses”, a região Sudeste – onde estão mais de quatro em cada dez OSCs – apresenta menor número de organizações, quase dez pontos percentuais inferiores à média nacional, e o Nordeste apresenta a maior concentração dessas organizações entre as regiões (53%).
No universo de 820 mil OSCs, 709 mil (86%) são associações privadas, 99 mil (12%) são organizações religiosas e 12 mil (2%) são fundações. Uma parcela residual equivalente a 0,1% figura como organização social.
A distribuição entre naturezas jurídicas não difere da disposição das OSCs no território nacional, exceto por uma concentração pouco maior de fundações (43%) e pouco menor de associações (38%) na região Sudeste, comparado ao total de OSCs, que é de 40%.
As fundações privadas estão, em sua maioria, concentradas nas finalidades “desenvolvimento e defesa de direitos e interesses” (23%) e “religião” (18%). O Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil destaca, ainda, que as proporções das OSCs nas finalidades “educação” (17%), “assistência social” (9%) e “saúde” (6%) são superiores à proporção delas entre as associações, respectivamente 5%, 4% e 0,8%.
Em dezembro de 2015, de acordo com dados do MTE, havia aproximadamente 3 milhões de pessoas com vínculos empregatícios formais em OSCs, o equivalente a 3% da população ocupada do país e 9% do total de pessoas empregadas no setor privado com carteira assinada. O Perfil das Organizações também identificou que 83% das OSCs não apresentam vínculos formais de emprego, enquanto outras 7% têm até dois vínculos de trabalho, o que totaliza 90% de organizações da sociedade civil que possuem até dois vínculos. As organizações com maior porte atuam nas áreas de saúde, assistência social e educação. Em saúde, 44% delas possuem mais de dez vínculos; o número de vínculos médios chega a mais de 400 entre hospitais do país, e a média da finalidade saúde (266) é bastante superior às demais finalidades. Já em educação, a média nacional é de 95 vínculos, e a subfinalidade “educação e pesquisa”, 215 vínculos.
Em relação à localização geográfica, a região Sudeste abriga cerca de 60% das pessoas ocupadas formalmente em OSCs, bem como mais de 50% das organizações com vínculos de emprego. A publicação destaca ainda que o Estado de São Paulo possui quase um terço das OSCs com vínculos de trabalho e mais de 35% das pessoas empregadas nas organizações.
Apesar de as organizações de saúde e educação representarem menos de 10% do universo de OSCs (3% e 7%, respectivamente), elas são as que mais empregam, respondendo, em 2015, por 40% do total de pessoas ocupadas.
Dentre a população empregada, as mulheres predominam, correspondendo a 65% do total, mesmo havendo grande variação na distribuição em estados e regiões. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, encontra-se a maior proporção de mulheres ocupadas; no Amazonas, a menor.
A distribuição por sexo varia de modo significativo entre as finalidades de atuação, o que revela a associação do sexo e do gênero feminino com tipos específicos de atividades, e, provavelmente, com as ocupações. Para todas as regiões, as mulheres são maioria nas áreas de “saúde” e “assistência social”.
Dentre as pessoas empregadas, 63% são brancas e 37% são negras. Há considerável variação entre os estados, seguindo parcialmente a distribuição da população brasileira. No Norte e no Nordeste, há predominância de negros: 75% e 70%, respectivamente. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015 apontou que nas duas regiões o percentual de negros era 77% e 63%. Nas regiões Sul e Sudeste, há predominância de brancos empregados nas OSCs (89% e 59%, respectivamente). Em Santa Catarina, 94% dos ocupados são brancos, e na Bahia, 15%.
A contratação de pessoas com deficiência varia de modo significativo em OSCs de diferentes finalidades e entre grupos de uma mesma finalidade. O percentual de contratação encontra seu máximo no subgrupo “defesa de direitos e interesses – múltiplas áreas”, e seu mínimo em “associações de produtores rurais”.
O relatório concluiu, ainda, que as OSCs com mais de cem vínculos estão aquém das exigências mínimas de contratação.
Com base no universo de 3 milhões de pessoas ocupadas em OSCs, de 2015, o estudo do Ipea identificou que 66% desses profissionais não tinham nível superior completo; 13% possuíam o nível fundamental e 49% detinham o nível médio completo. A variação não é grande entre regiões ou Unidades Federativas (UF); o segmento sem nível superior completo varia entre 60% e 70%.
As mulheres predominam entre as pessoas empregadas em OSCs: representam 65% e recebem em torno de 85% do salário dos homens.
Entretanto, os níveis de escolaridade variam significativamente entre as finalidades de atuação das OSCs. As mais díspares encontram-se entre as organizações de finalidade “educação e pesquisa”, em que a escolaridade superior corresponde a 67%, e “esportes e recreação”, em que o nível superior completo corresponde a 15% dos vínculos de trabalho.
A remuneração média dos trabalhadores assalariados em OSCs, com base em dados de 2015 e 2106, era de R$ 2.869, o equivalente a 3,2 salários mínimos (SMs). O valor é maior nas organizações que atuam nos segmentos de saúde (3,8 SMs), associações patronais e profissionais (3,8 SMs) e educação e pesquisa (3,7 SMs) – com destaque para a finalidade “estudos e pesquisas” (5,9 SMs) –, e menor em organizações de assistência social (2,3 SMs) e “desenvolvimento e defesa de direitos” (2,4 SMs).
A remuneração média dos ocupados nas regiões Sul e Sudeste (R$ 2.798 e R$ 2.881, respectivamente) são superiores às demais. Rio de Janeiro e Distrito Federal são os estados em que as organizações da sociedade civil pagam a maior remuneração média (R$ 3.396 e R$ 3.300); no Amapá e no Acre, as menores (R$ 1.842 e R$ 1.880).
De modo geral, os salários médios reproduzem as desigualdades do mercado de trabalho brasileiro, principalmente as desigualdades na remuneração por raça e por gênero.
Para efeitos de comparação, o valor médio da remuneração mensal dos trabalhadores com carteira assinada no setor privado brasileiro, à época, era de R$ 1.960. Já no setor público municipal, o salário médio para pessoas com até oito anos de escolaridade era de R$ 2.130; para servidores com nove a 12 anos de escolaridade, era de R$ 2.302; e para aqueles com mais de 12 anos de escolaridade, R$ 3.035. A remuneração dos servidores públicos estaduais era, para as mesmas faixas de escolaridade, respectivamente R$ 2.400, R$ 2.697 e R$ 3.481,40. No nível federal, a remuneração era R$ 2.745, R$ 3.057 e R$ 4.043.
Embora moderada, a remuneração em OSCs reflete a desigualdade existente no mercado de trabalho brasileiro: homens recebem salários superiores. Em média, as mulheres recebem 95% do salário dos homens, mas há grandes variações. Em associações profissionais, o salário das mulheres equivale a 67% do salário dos homens; nas organizações de desenvolvimento e defesa de direitos e interesses os salários são praticamente os mesmos; e nas organizações de cultura e arte, o salário das mulheres é quatro pontos percentuais (p.p.) superior ao dos homens.
No tocante à questão racial, a remuneração é desigual em quase todas as áreas. Pessoas ocupadas de cor branca recebem salário médio mensal de R$ 2.043, enquanto negros, de R$ 1.750, ou seja, 85% da remuneração dos brancos. As diferenças, uma vez mais, variam entre OSCs com finalidades de atuação distintas. Enquanto na finalidade assistência social não há diferenças, na finalidade saúde a remuneração dos negros é 76% da remuneração média mensal dos brancos.
Com base em dados do Perfil das Organizações, os recursos públicos destinados às OSCs são uma via para compreender melhor o espaço que as organizações ocupam no tocante às políticas públicas do país. Combinadas com análises mais detalhadas do orçamento, seria possível verificar se as OSCs desempenham ações em que complementam, suplementam ou substituem a burocracia pública.
Entre 2010 e 2017, foi transferido da União para as OSCs o montante de R$ 75 bilhões. Saúde e educação receberam quase 50% desse total. A distribuição dos recursos federais por região é mais concentrada que a localização territorial das organizações. A região Sudeste é indicada como sede de 42% das OSCs, e recebeu 61% do total de recursos federais transferidos. Concentração ainda mais alta ocorreu no interior da região Centro-Oeste: as OSCs com sede no Distrito Federal receberam 83% de todos os recursos destinados à região, apesar de abrigar apenas 22% das organizações.
Entre os anos de 2010 e 2016, houve variação do número de organizações da sociedade civil. Pouco mais de 50% das OSCs ativas em 2016 foram criadas neste século, a partir de 2001. A taxa de criação das organizações ainda hoje em atividade indica que houve variação significativa entre as grandes regiões do país e entre as décadas. Essa variação abre espaço para a hipótese de que o associativismo é influenciado por aspectos contextuais relacionados ao território.
Na região Nordeste foram criadas 14% das OSCs ativas do país, de 1971 a 1980, e a mesma região foi responsável pela criação de 30% das organizações ativas de 1991 a 2000. No Sudeste, na década de 1970, foram criadas 52% das OSCs do país em atividade em 2016, percentual que se reduziu a 35% na década de 1990.
Em todas as regiões não passa de 5% o total de OSCs fundadas até 1970. A região Sudeste abriga 12% das organizações criadas nessa década; no Norte e no Nordeste, apenas 5% foram fundadas no mesmo período.
A análise é aproximativa, com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que é uma base de informações com volume significativo de omissões.