Cada vez mais discutimos sustentabilidade financeira e institucional das organizações da sociedade civil. Em essência, é um debate sobre a capacidade que estas entidades têm de gerar receitas, doações, crescer. Não como um fim em si mesmo, claro: criar e fortalecer uma estrutura para cumprir seu propósito, sua missão. Mas precisamos acabar com a ideia que existe UM único modelo de sustentabilidade. Existem muitos, e isso tem consequências para o planejamento, para a estratégia e para as habilidades que precisamos em nossa organização.
Como a maioria das OSCs se sustenta no Brasil? Temos menos informações do que gostaríamos. Mas temos uma referência importante nos dados levantados no Prêmio Melhores ONGs, que reconhece anualmente as 100 organizações com melhor gestão no Brasil. De acordo com dados de 2021, as premiadas captam principalmente com empresas (22%), governo (21%) e indivíduos (18%). Em seguida, venda de produtos ou serviços (12%), fontes internacionais (9%) e outras organizações da sociedade civil (7%). Os últimos 11% são uma combinação de eventos, contribuição de associados, fundo patrimonial e outros. Porém: essas são médias. Na prática, poucas organizações seguem exatamente essas proporções. É comum haver uma variação grande de estratégias e combinações. Aqui estão alguns dos tipos mais comuns.
Exemplos: Greenpeace, Médicos sem Fronteiras
Organizações que buscam doações de muitas pessoas para poder desenvolver suas atividades. Tem as que conseguem quantias grandes provenientes de poucos filantropos, mas o mais comum é buscar muitos indivíduos que doam pequenos valores. A organização ganha mais do que recursos financeiros com esse perfil: ganha a legitimidade de ter uma ampla base de apoiadores dedicando tempo e dinheiro à entidade e à sua causa. O desafio, claro, é que conseguir chegar em um volume grande demanda investimento de tempo, talento e dinheiro também, para que as doações de 10, 50 e 100 reais totalizem um valor expressivo. A fidelização dos doadores, evitando altas taxas de inadimplência, é outra dificuldade comum.
Profissionais que se dedicam a esse perfil de organização precisam de habilidades de comunicação, de relacionamento, de planejamento e execução. É preciso também ter tolerância para ouvir muitos “nãos” e saber comemorar pequenas vitórias
Exemplos: Vocação, Instituto Jô Clemente
Organizações cuja parte significativa de seu orçamento vem da prestação de serviço ou venda de produtos, que podem ou não estar diretamente relacionados à sua missão. A aposta nesse tipo de estratégia se dá para diminuir a dependência de doações e da boa vontade de indivíduos e empresas. O grande desafio é competir no mercado geral, com fins lucrativos, na procura de clientes, bem como fazer uma gestão profissional, que gere resultados positivos para a missão social - e não prejuízos que podem inviabilizar toda a operação.
Profissionais que lideram esse tipo de operação precisam possuir fortes habilidades de gestão, marketing e comunicação. Também precisam encontrar formas de equilibrar a busca constante pela eficiência operacional com a motivação solidária e voluntária, sob risco de desvirtuar o propósito da organização.
Exemplos: Fundação Osesp, Fundação Julita
Organizações que atuam em áreas diretamente relacionadas a grandes políticas públicas, como saúde, educação, cultura e assistência social. Atuam prestando serviços em parceria com ou em nome do estado, por exemplo fazendo a gestão de equipamentos públicos. O potencial desse tipo de atuação é o porte dos contratos com o estado e o impacto social a ser atingido. Entre os riscos, a burocracia, a fiscalização constante e rígida, as descontinuidades quando há mudanças de gestão pública.
Profissionais responsáveis por cuidar dessa relação costumam desenvolver habilidades de elaboração de projetos e participação de editais, conhecimentos jurídicos, prestação de contas seguindo exigências legais, planejamento. Em função da rigidez, a relação com o setor público também demanda flexibilidade, dado que é comum haver atrasos em repasses, e também há gastos não cobertos pelos contratos.
Exemplos: Instituto Natura, Fundação Projeto Pescar
Organizações com maior proximidade ao mundo corporativo. Às vezes, são organizações criadas por um mantenedor privado, ligado a algum grande grupo empresarial. Mas, na maior parte, são entidades que conseguem se financiar com projetos e apoio de várias empresas. Como vantagem, a possibilidade de captar volumes consideráveis de recursos a partir de poucos contatos. O desafio é conseguir manter uma certa independência do mundo corporativo, preservando características fundamentais da gestão social. Além disso, nem toda área de atuação social apresenta o mesmo interesse para o setor privado, que tende a fugir de temas vistos como controversos (como direitos humanos).
Profissionais que atuam nestas organizações costumam fazer a ponte entre o mundo corporativo e o social. É preciso dominar a linguagem dos negócios, do ESG, do marketing e saber conciliar valores e demandas sociais com interesses das empresas e potencial de retorno de imagem. Pode ser importante também dominar conhecimentos específicos sobre elaboração de projetos, gestão de voluntariado e leis de incentivo.
Exemplos: Instituto Reciclar, Casa do Zezinho
Nestas organizações, nenhuma fonte ou estratégia traz mais do que 30% do orçamento total. Essa diversificação traz potencialmente independência e estabilidade, já que há baixa dependência de um único doador. Crises com uma fonte podem ser compensadas com a melhoria de outra estratégia. O desafio é o aumento de complexidade organizacional, já que exige mais estruturas, habilidades, métodos e sistemas.
Profissionais que atuam nessas organizações podem ter um perfil mais coringa, conseguindo atuar com diferentes técnicas. Pode haver também uma especialização maior de trabalho, em que a área de captação se divide em diferentes sub-áreas (indivíduos, empresas, telemarketing, digital…), com o desafio da coordenação e de garantir que as áreas trabalhem de forma integrada.
Qualquer que seja o modelo ou prioridade, há habilidades e práticas gerais de captação que são valiosas para qualquer organização. Capacidade de planejamento e execução. Habilidades de relacionamento. Paixão pela causa. Conhecimento profundo do assunto. Sistemas, tecnologia e boa gestão de dados. Tudo isso potencializa as estratégias listadas acima.
Para terminar, é importante reforçar: não existe um modelo certo. Depende de contexto, histórico, perfil das lideranças, da área de atuação. É preciso refletir o que pode ou não funcionar em sua organização. Além disso, ter um modelo de sustentabilidade não é sentença. Nenhuma organização está condenada a tomar uma decisão e nunca mudar. Pessoas e organizações aprendem, testam, erram, experimentam, se desenvolvem. Sempre tendo o propósito como guia e a ética na captação como valor fundamental.