Aprendi com Marcelo Iniarra, quando migrei da área financeira para captação de recursos no Greenpeace, que quando falamos de mobilização de recursos de indivíduos não estávamos falando de dinheiro, e sim de como engajar as pessoas em uma causa, conectá-las com o que realmente acreditam para fazer a diferença. Uma das formas de mostrar esse engajamento e apoio é por meio de uma doação financeira.
Naquela época, o mundo digital estava apenas começando. Abaixo-assinados ainda eram feitos no papel e enviados pelo correio, a comunicação era de um para muitos, os formulários de doação on-line estavam surgindo.
De lá pra cá, muita coisa mudou. Focando na área de captação de recursos, podemos dizer que muitas organizações iniciaram seus programas de diversificação de fontes de recursos. Algumas cresceram exponencialmente, e a captação de recursos com indivíduos passou a ser uma realidade no Brasil. Com grandes bases de doadores, centenas ou milhares de pessoas contribuem mensalmente para uma causa por meio de um pagamento automático que gera sustentabilidade e legitimidade. Agora já existem sistemas de CRM (gestão de doadores) e processos de cobrança de doadores recorrentes fáceis de serem implementados e acessíveis, ou seja, sem um alto custo no início do processo.
Os meios de comunicação também mudaram, ganhando interatividade. Temos mais interlocutores, participação e colaboração. Cada um de nós pode criar uma campanha de captação de recursos para uma causa ou pessoa, ou mesmo para montar uma empresa por meio de plataformas de financiamento coletivo de maneira prática e rápida. Também podemos lutar pela causa que acreditamos criando um abaixo-assinado e reunindo mais gente que acredita nas mesmas coisas que nós, utilizando também plataformas supersimples que alcançam resultados impressionantes.
Hoje cada um de nós pode se transformar em uma organização otimizada, sem precisar passar por processos de aprovação longos e burocráticos. Temos a nossa própria rede, nosso próprio público, e agora podemos fazer sozinhos o que antes exigia muitos. De acordo com o Relatório de Tendências Globais de Doação 2018, 41% das pessoas realizaram doações para campanhas de crowdfunding de indivíduos, porém 16% deixaram de doar para organizações. Assim, analisando esse mundo em constante evolução, mudanças e infinitas possibilidades, qual é o futuro da captação de recursos? Está na hora de pensar em novos modelos.
Eu acredito que no momento atual as organizações têm uma grande oportunidade. Vocês conhecem a American Civil Liberties Union (ACLU)? É uma organização americana que luta contra o abuso governamental e defende a liberdade individual, incluindo liberdade de expressão, religião, direito de escolha da mulher, cidadania, privacidade e muitos outros.
Eles cresceram muito após a eleição de Donald Trump, representando um caso real e bem-sucedido sobre um dos caminhos do futuro: construção de movimento, engajamento e mobilização de recursos trabalhando juntos em prol de uma causa.
O número de doadores pessoa física da ACLU cresceu de 400.000 para 1.84 milhões nos primeiros 15 meses após a eleição presidencial. Em um único final de semana, eles captaram pelo formulário on-line US$ 24 milhões. A média anual de doação on-line que antes era de US$ 4 milhões atingiu US$ 120 milhões.
O que mudou? O que eles fizeram? Primeiro, com a possibilidade de uma vitória de Trump nas eleições, eles pensaram na organização como um todo. Mesmo antes de acontecer, eles se prepararam para essa possibilidade e estavam prontos para trabalhar com os assuntos relacionados a direitos humanos quando o presidente americano foi eleito.
Eles também quase dobraram a contratação de advogados no primeiro ano com o objetivo de expandir sua atuação. Nesse período, iniciaram mais de 80 processos de defesa de direitos, reforçando o investimento a fim de atingir os resultados esperados.
Simultaneamente, começaram a surgir diversas outras organizações da mesma área, com pessoas fazendo suas próprias campanhas.
Mas como uma organização centenária obteve esse crescimento exponencial? Essa foi a pergunta que eu fiz para o diretor executivo da ACLU no ano passado. A resposta é que a ACLU foi além, repensando toda a organização para a realidade hiperconectada que vivemos hoje. Ao mudar a comunicação, ela engajou o doador e agregou valor, que era o que o doador esperava.
O que é engajar? Engajar é motivar o outro com ideias e tarefas que façam sentido para sua vida. O movimento estava criado, mas como fazer para que essas pessoas realmente se engajassem e participassem desse movimento? Como fazer para que esse grupo ficasse mais forte e mais pessoas tivessem o desejo de participar? Primeiro, trabalhando com algo que faça sentido para o doador. A infraestrutura foi preparada para receber as doações, mais pessoas foram contratadas e o doador foi colocado no centro do processo.
Quando eles lançaram a campanha See you in court (Te vejo no tribunal) ou The fight is on (A luta começou), expressaram-se o sentimento e a vontade de cada um dos apoiadores da ACLU, além da essência da organização. Abriram-se as portas para se receber um novo grupo de doadores alinhados com esse novo mundo. Decidiu-se pensar de forma diferente.
Um dos grandes desafios das organizações é que elas ainda acreditam que têm o poder sobre a comunicação. “Eu sei, eu controlo, eu tenho o conhecimento; o compartilhar é relativo.” Um dos passos mais importantes da ACLU foi dar o poder para as pessoas, amplificando a sua voz para centenas e milhares. Ela continuou a fazer o seu trabalho, mas com mais recursos pôde fazer mais, entrando em uma espiral de sucesso até criar um novo programa: PeoplePower.org (O poder das pessoas). Trata-se de um sistema de base para o desenvolvimento de campanhas e eventos individuais, com material de orientação para que cada pessoa acesse o seu representante eleito e faça demandas, além de apresentar o trabalho da ACLU para um grupo de pessoas e envolver seus pares em assuntos relacionados. Somente com o grande apoio de doações individuais e de celebridades a ACLU conseguiu fazer tudo isso.
O engajamento de pessoas em uma causa não é um novo modelo. Mas a hiperconectividade, a força dos movimentos, descobrir como dar poder para as pessoas e ao mesmo tempo engajá-las, cria novas oportunidades e precisa ser estudado. Novos modelos estão emergindo todos os dias ao redor do mundo. Marcelo Iniarra lidera laboratórios disruptivos de inovação e desenvolve campanhas para gerar movimentos há muitos anos. Paul de Gregorio iniciou um coletivo no Reino Unido focado na “construção de movimentos”, como ele define. Buscam-se pessoas engajadas que querem doar, sem construção de listas.
Como fundraiser que acredita que o poder das pessoas pode mudar o mundo e que somente o engajamento a uma causa pode construir uma base de doadores resultando na sustentabilidade e legitimidade de uma organização, a ACLU é uma inspiração. É um grande caso de sucesso que prova que as minhas premissas de trabalho já são uma realidade para algumas organizações.
Como brasileira, cada vez que conheço um pouco mais sobre essa história, penso no momento que estamos vivendo no Brasil.
Os movimentos estão aqui e são fortes, mas qual é o próximo passo? Como o poder individual de cada um de nós olhará nossa próxima jornada? Eu ainda não tenho uma resposta, mas deixo esse texto para reflexão.