Eu nunca entendi direito as contas para ajustar o calendário Maia ao Juliano. Afinal, ambos foram criados por civilizações muito diferentes, com distintos modos de observar o mundo e, possivelmente, seu fim.
De qualquer forma, como o mundo não acabou, ganhamos um bônus, ou como diriam os aficionados em jogos, uma vida extra. A humanidade conseguiu dar um salto civilizatório sem precedentes no século 20: saímos da quase idade média para a era espacial em menos de 100 anos. Na maior parte dos rincões da Terra, no início dos anos 1900 ainda se vivia sem eletricidade, sem grandes artefatos mecânicos, sem nenhuma medicina moderna ou qualquer outro vestígio de modernidade – como ainda
vivem alguns povos esquecidos em diversos continentes.
Mas vamos ao que importa, ou seja, bônus ou vida extra. Em 1912, rigorosamente, ninguém seria capaz de prever o que estava por vir no século 20. Em 1912, a vida ainda era muito mais parecida com o século 19, com cavalos e carruagens pelas ruas, do que com o caos tecnológico das metrópoles que entraram pelo século 21. Nenhuma das duas grandes guerras mundiais havia solapado as utopias da humanidade, e a Europa vivia um esplendor de cultura atualmente conhecido como “Belle Époque”, quando intelectuais e artistas ocupavam cafés e teatros em saraus poéticos filosóficos. Um cidadão naquela época não podia prever os acontecimentos das décadas seguintes, como a depressão de 1929, as guerras, as tecnologias nuclear ou de telecomunicações, que forneceram à humanidade os instrumentos para o salto ao futuro, levando-nos à Hiroshima, à lua e aos monstruosos congestionamentos das metrópoles cheias de pessoas e automóveis.
Sequer era possível prever a televisão e as centenas de canais dos modernos aparelhos digitais, ou a mais revolucionária das invenções humanas do século 20, a Internet, que é a mãe das inovações no século 21. O conhecimento circulando em uma velocidade exponencial pode levar a história das próximas décadas por caminhos absolutamente impensáveis.
Esse bônus de vida que ganhamos pode ser o momento mais alucinante e criativo da humanidade, por tudo o que sabemos e podemos. Mas, principalmente, pelos desafios que conhecemos.
Sabemos o que não poderemos continuar fazendo nas próximas décadas, conhecemos os caminhos que não devemos seguir, e essa é a graça de se ganhar uma vida extra: é provarmos que somos capazes de ser e fazer diferente. Em um jogo, quando se chega a esse ponto, já perdemos as oportunidades que surgiram, morremos várias vezes e, em tese, aprendemos como fazer para ficarmos vivos.
As perdas do planeta em biodiversidade, qualidade de recursos hídricos, desperdícios de matérias primas e outros impactos sobre o meio ambiente chegaram a um ponto quase irrecuperável em apenas 100 anos, os mesmo anos que nos deram tantas conquistas. O horizonte climático para este século 21 não é alvissareiro, os dados projetam o aumento dos eventos extremos como secas, furacões, enchentes e todos os tipos de tragédias, atingindo principalmente áreas de alta densidade demográfica.
É importante lançar um olhar de longo prazo sobre o futuro, fato que a Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, tentou, porém, não teve muito sucesso em sensibilizar governantes preocupados com uma grande crise financeira, que começou em 2008 e não tem data para ser finalizada.
Mesmo com as perspectivas pouco claras sobre as próximas décadas, nunca a humanidade teve tantos bons instrumentos e ideias inovadoras capazes de mudar seu destino. Tecnologias, telecomunicações, Internet, ciências avançadas em todas as áreas de conhecimento, pessoas de alta qualidade técnica e humanística, e, acima de tudo, um planeta que ainda não se tornou um obstáculo intransponível.
É importante lembrar que não é preciso salvar o planeta, mas sim preservar o habitat humano.
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