Do primeiro caso oficialmente registrado no Brasil, em 26 de fevereiro, até 10 de outubro, data em que o novo coronavírus já havia ultrapassado as marcas de 5 milhões de contaminados e de 150 mil mortos no país, a doença também deixou um grande rastro de destruição na economia.
Ao provocar o distanciamento social, a crise sanitária levou milhares de empresas e de trabalhadores, respectivamente, à falência e ao desemprego. Por consequência, prejudicou a continuidade das atividades de porção considerável das organizações da sociedade civil, que anos antes já vinha enfrentando uma queda gradual no volume de doações.
O choque negativo no Terceiro Setor foi confirmado pelo estudo “Impacto da Covid-19 nas OSCs brasileiras: da resposta imediata à resiliência”, segundo o qual a pandemia interrompeu ou suspendeu parte das atividades regulares de 87% das 1.760 organizações da sociedade civil ouvidas. Para 73%, houve enfraquecimento no andamento de suas operações.
Coordenada pela Mobiliza e ReosPartners e com a participação de diversos atores sociais, entre os quais a Rede Filantropia, a pesquisa revelou um cenário em que, mesmo com tantas dificuldades, 87% das OSCs relataram ter continuado promovendo ações para combater e minimizar os efeitos da doença nas populações atendidas.
Paralelamente, o estudo – aplicado entre 17 e 31 de maio, por meio de formulário enviado a organizações de todas as regiões do país – indicou oportunidades para enfrentar os desafios que virão pela frente, especialmente durante a busca por uma vacina ou um medicamento eficaz contra a Covid-19. A margem de erro dos dados gerais é de 2% e o intervalo de confiança, de 95%.
Embora tenham apontado restrições financeiras, 87% das OSCs respondentes da pesquisa previram permanecer com suas atividades, uma vez que continuaram oferecendo algum tipo de atendimento. Ao projetar ações para um futuro próximo, 59% das organizações disseram crer que a demanda por seus serviços deve aumentar após o final da pandemia – cenário que ainda não é possível cogitar.
A maioria das OSCs que fizeram parte do estudo (60%) está sediada na Região Sudeste. Os 40% restantes dividem-se entre Nordeste (18%), Sul (11%), Centro-Oeste (7%) e Norte (4%). Do total, 92% possuem CNPJ.
A divisão por área de atuação também retrata bem o perfil geral das OSCs – 34% atuam no segmento de assistência social, enquanto 13% promovem iniciativas culturais e de recreação; o mesmo percentual faz ações de desenvolvimento e defesa de direitos; 10% atuam com educação e pesquisa; 8% com saúde, 4% com meio ambiente e 18% declararam operar em outros segmentos.
Do universo pesquisado, 42% das OSCs informaram não ter orçamento anual, ou contam com até R$ 100 mil por ano (dados de 2019) para dar andamento às suas operações; 22% operam com orçamento entre R$ 100 mil e R$ 500 mil. No ano passado, 13% funcionaram com um caixa girando entre R$ 1 milhão e 3 milhões; 12% acima de R$ 3 milhões e 11% de R$ 500 mil a R$ 1 milhão.
Desde o começo da pandemia, as OSCs se destacaram pelo empenho no trabalho de atendimento às populações mais desassistidas, a fim de minimizar o impacto da doença. Segundo o estudo, metade das instituições afirmou atuar distribuindo alimentos e produtos de higiene para públicos que já acolhiam.
Em maior ou menor grau, as organizações sentiram os reflexos da crise sanitária. A maioria relatou ter sido muito (36%) ou parcialmente (37%) enfraquecida pela Covid-19. Por outro lado, 14% relataram ter sido parcialmente fortalecidas e outras 4%, muito fortalecidas. À época do estudo, 8% das instituições não conseguiram, naquele momento, qualificar o impacto da doença em suas operações. Apenas 1% declarou ter passado incólume.
O coronavírus deixou ainda mais claro o papel de responsabilidade devotado das OSCs. Enquanto 51% narraram ter suas atividades regulares interrompidas ou suspensas, 36% informaram a paralisação total das operações.
Mesmo com todas as dificuldades impostas pela situação, 44% se adaptaram para continuar prestando atendimento remotamente. A maioria das OSCs pesquisadas (87%) não ficou parada, mas se mobilizou para promover atividades diferentes das realizadas antes da crise, com grande destaque para ações de ajuda humanitária e apoio direto a populações afetadas pela pandemia.
Com exceção das organizações de saúde, as OSCs ligadas ao meio ambiente, à proteção animal e à cultura e recreação relataram dificuldade de adaptar suas atividades para um modelo remoto. São também as organizações que menos estão apoiando diretamente populações afetadas pela crise.
Para 73% das organizações pesquisadas, a diminuição na captação de recursos e o distanciamento do público atendido são os principais impactos negativos do novo coronavírus, apesar de o “Monitor das Doações da Covid-19”, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), mostrar que, até o fechamento da pesquisa, mais de R$ 6 bilhões haviam sido doados como resposta à pandemia.
Outros impactos negativos relatados foram o distanciamento e a dificuldade de comunicação com o público atendido (55%), a diminuição de voluntários ativos (44%) e o estresse ou a sobrecarga da equipe (40%). Além disso, 33% das OSCs foram obrigadas a demitir ou reduzir a carga horária da equipe. Neste último quesito, as organizações mais impactadas operam principalmente nas áreas de cultura e recreação, assistência social, meio ambiente e proteção animal.
Curiosamente, as organizações sem fins lucrativos com mais de 50 anos de atuação (56% do total) foram as que acusaram maior impacto negativo em suas equipes. Já as OSCs fundadas há menos de dez anos (29%) referiram ter sofrido menos com demissões ou reduções de carga horária de suas equipes.
A Covid-19, por outro lado, acelerou o uso de ferramentas digitais para 53% das organizações da sociedade civil participantes do estudo, e provocou mais engajamento e envolvimento das equipes para 40% delas. Além disso, uma em cada quatro OSCs relatou ter obtido mais visibilidade institucional ou para a causa.
Se nos últimos anos o Terceiro Setor nacional tem sentido a diminuição do volume de doações, este cenário ficou ainda mais tenebroso com a chegada do novo coronavírus. Quase 65% das OSCs esperavam uma redução significativa (44%) ou relativa (21%) na captação de recursos até o final do ano.
Para 21%, só há incertezas em relação ao futuro. Mais da metade (55%) das organizações com receita anual de até R$ 100 mil previu redução da entrada de recursos até o fim de 2020. Apenas 7% das OSCs, no entanto, projetaram ter aumento na captação.
Ainda segundo o levantamento, 6% das OSCs indicaram que devem interromper as atividades até o final deste ano, visto que durante a coleta de dados deste estudo, boa parte delas sugeriu já estar sem (ou com escassos) recursos financeiros para seguir adiante. Por outro lado, 87% relataram que devem continuar os trabalhos, com grandes (58%), pequenas (24%) ou sem mudanças significativas (5%) em suas operações.
Internamente, as OSCs assinalaram necessidades relacionadas principalmente à capacidade de captação de recursos e ao planejamento. Sessenta por cento delas indicaram como fundamental necessidade incrementar a capacidade de captação de recursos no ambiente digital/remoto, e 58% sugeriram haver a necessidade de construção de um plano financeiro e de captação de recursos factível.
A crise sanitária despertou nos gestores a necessidade de revisar planos estratégicos (apontada por 42%) e de trabalhar em colaboração com outras organizações (assinalada por 39%), indicando potencial de atuação em rede. Basicamente, as OSCs estão tendo de se reinventar.
Mesmo com todas as dificuldades, a maioria das organizações (69%) previu um crescimento da cultura de doação no Brasil, focada grande parte nas áreas de saúde e assistência social. Ao contrário, 15% disseram acreditar que a cultura de doação deve diminuir, enquanto 10% esperavam estabilidade.
Após tabular e analisar todos os dados da pesquisa, os parceiros que ajudaram a levar este estudo adiante reconheceram que a pandemia e as dificuldades por ela criadas evidenciaram ainda mais a importância das OSCs como um dos pilares que fazem um país sustentável.
Reconheceram, inclusive, o surgimento de uma janela de oportunidade para cada organização, a partir de seu campo de atuação específico, contribuir para o fortalecimento e o impacto da sociedade civil organizada no Brasil.
“Passada a etapa mais emergencial da ajuda humanitária, toda a sociedade é chamada a cumprir seu papel para que as OSCs possam seguir relevantes e resilientes, para que consigam enfrentar os desafios sociais e ambientais decorrentes da pandemia e fortalecer o tecido social brasileiro”, concluíram.
A íntegra do estudo pode ser baixada em: https://mailchi.mp/mobilizaconsultoria/estudocovid19