Apesar de ser uma das maiores economias mundiais, o Brasil é também um dos países com pior índice de distribuição de renda. As desigualdades sociais indicam a razão de tantas empresas estarem optando por alocar recursos em setores antes considerados de responsabilidade exclusiva do governo.
“Vivemos hoje um cenário bastante favorável ao investimento social – atualmente, contamos com mais de 350 mil organizações sociais em atividade. Simultaneamente, houve um significativo desenvolvimento econômico no país, a partir da criação do Plano Real, quando o Brasil alcançou uma política estável que está gerando novas riquezas. Contudo, apesar dos avanços já obtidos nessa área, os investimentos realizados pelas companhias brasileiras ainda estão abaixo do necessário e do praticado por países como os Estados Unidos”, afirma o secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Fernando Rossetti.
Segundo a pesquisa A ação social das empresas, publicada em 2006 pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), as 189 maiores empresas e fundações norte-americanas investiram o montante de US$ 10,2 bilhões em causas sociais no ano de 2006, enquanto no Brasil os investimentos sociais privados atingiram R$ 4,7 bilhões.
Parte dessa defasagem deve-se à frequente confusão feita entre os conceitos de investimento social e doação/filantropia. “Investimento social é uma prática das empresas para o direcionamento de recursos privados, de modo voluntário, a um projeto que visa à geração de resultados. Cada vez que uma empresa define algum investimento, avalia quais são os riscos da iniciativa, as formas de avaliação de resultados, o tipo de retorno desejado e o período que se pretende investir”, explica Maurício Guimarães, gerente de mobilização de recursos da ONG Ação Comunitária. “Quando a empresa decide investir no social, ela adota conscientemente as mesmas regras para o projeto, seja de implantação própria ou de terceiros e, neste caso, cria um compromisso bilateral com a organização que está recebendo os recursos, sejam humanos ou materiais”.
“O investimento social das empresas privadas deve estar diretamente ligado ao negócio de cada uma delas. Essa é a receita para o sucesso das parcerias público-privadas no combate à extrema pobreza. Em países como o Brasil, no qual mais de 30 milhões de pessoas recentemente saíram da pobreza, a melhor maneira de potencializar os investimentos sociais do setor privado é alocar tais recursos em projetos que estejam relacionados ao negócio da empresa”, indica Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Cenário econômico e investimentos sociais
Segundo censo realizado pelo Gife em 2009, a expectativa de investimento para 2010 girava em torno de R$ 2 bilhões no país. Esse valor levava em consideração a crise econômica mundial vivida à época, que ocasionou a redução de investimentos.
“No Brasil, a redução não foi tão significativa devido às características do investimento social local. Nos Estados Unidos, para traçar um paralelo, as entidades têm o hábito de aplicar recursos próprios no mercado financeiro e investir no social parte dos rendimentos. Com a crise econômica, houve uma redução de aproximadamente 30% do patrimônio dos fundos desses investidores sociais. Já por aqui, a maior parte dos investidores opera a partir de repasses anuais para composição dos orçamentos, e não de fundos próprios. Isso explica em parte a situação. Há também o fato de o Brasil ter sido menos afetado pela crise”, explica Rossetti.
De acordo com o relatório Benchmarking do Inves-timento Social Corporativo 2011 (BISC), elaborado pela ONG Comunitas com base em dados de 2009 e 2010, a previsão de que os investimentos sociais brasileiros ficassem próximos aos valores registrados, conforme indicado na pesquisa anterior, foi largamente superada. “Em 2010, o total dos investimentos realizados pelas 23 corporações e um instituto independente que participaram da pesquisa BISC alcançou a cifra de R$ 1,6 bilhão, superando em 18% o valor realizado no ano anterior. São 23 corporações, mas o universo de empresas por elas comandadas é bem maior”, aponta o relatório.
As práticas filantrópicas, tanto no Brasil quanto no mundo, demonstram caráter mais assistencialista. Embora tenha havido uma evolução muito significativa nos últimos 15 anos, isso foi mais fortemente sentido nas grandes empresas, que dispõem de capital para investir em planejamento, consultores, profissionais de gestão. “Nas pequenas e médias empresas, assim como nas fundações de pessoas físicas ou famílias, essa cultura ainda não chegou. Há muito ainda o que evoluir para atingir uma visão mais estratégica da contribuição para a sociedade”, comenta Rossetti.
Um dado interessante apresentado pela BISC é a constatação de que a concentração de empresas atuantes em um determinado segmento não reflete, necessariamente, uma correspondência na distribuição dos recursos. Por exemplo, 55% dos participantes da pesquisa desenvolveram ações ambientais, no entanto, o meio ambiente só recebeu 5% do total dos investimentos voluntários; 70% investiram em cultura, mas essa área absorveu apenas 17% dos recursos. E o mesmo se repete em outras áreas. “Essa informação é de especial relevância para a reflexão e o debate sobre o papel desempenhado pelo setor privado nas diversas áreas de atuação social”, diz o relatório.
Investimentos futuros
Com base nos dados constantes no relatório BISC 2011, há razões para otimismo em relação aos investimentos sociais no futuro. Quase dois terços (62%) dos participantes da pesquisa prevêem um crescimento dos investimentos sociais nos próximos, sendo que a maior parte deles estima um crescimento acima de 25%. De outra parte, dentre os que conjeturam redução, apenas 17% aportam para uma queda superior a 25%.
Se as expectativas captadas no momento em que a pesquisa foi realizada se mantiverem, não é improvável esperar que os investimentos sociais das corporações parceiras do BISC se aproximarão – ou até mesmo passarão – do patamar de R$ 2 bilhões.
“Um dos desafios do Terceiro Setor é fazer com que o investimento social privado não permaneça apenas nos locais e regiões em que são geradas as riquezas, mas sim para quais lugares ele deve ir. Precisamos pensar como nacionalizar os investimentos”, ressalta Rossetti, do Gife.
Antes de decidir realizar algum tipo de investimento social, é preciso que a companhia esteja atenta a alguns itens, conforme sugere Paulo Castro, presidente do Instituto C&A. “As empresas devem ter consciência de que,
ao optarem pela realização de investimentos sociais, é preciso, primeiramente, ter um foco bem estabelecido. Por que decidiram apoiar determinada causa?
O que move a empresa? Há clareza no propósito?”.
Com a causa a ser defendida já selecionada, é preciso avaliar as necessidades dos outros, do público-alvo. “É fundamental que seja feito um levantamento sobre as necessidades da comunidade onde se investirá, a fim de diagnosticar quais são as suas demandas, além de analisar como minimizar riscos e, principalmente, criar laços com o público do entorno”, adverte.
Castro ressalta ainda um ponto de grande importância, mas pouco considerado pelas empresas. “Quando se investe no campo social, as demais companhias, assim como as instituições e organizações não governamentais, não podem ser compreendidas como concorrentes. Temos concorrentes nos negócios, mas na área social o que deve predominar é o senso de colaboração. Trabalhar em conjunto é essencial”, conclui.
As ações sociais, culturais e ambientais realizadas pelas empresas estão vinculadas ao próprio ramo de atividade da empresa mantenedora?
→ Sim, parte das ações é vinculada ao ramo de atividade – 45%
→ Não, nenhuma das ações é vinculada ao ramo de atividade – 33%
→ Sim, todas as ações estão vinculadas ao ramo de atividade – 22%
por Paula Craveiro