A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/1993) inaugura formalmente a superação das ações sociais como mero assistencialismo praticado pelo poder público ou por organizações não governamentais. Como expressado na Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), um novo paradigma classifica a assistência como elemento de Seguridade Social, vinculando-a então ao tripé formado pela saúde e a previdência. Assim, todo indivíduo passa a ter como direito a proteção à sua segurança de acolhida (provisão de necessidades básicas, como vestimenta, alimentação e abrigo), de sobrevivência (de rendimento e autonomia, visando à própria subsistência) e de convívio (vivência familiar e contato social). Tais garantias sintetizam a prerrogativa da assistência social: integrar o indivíduo à sociedade, munindo-o da capacidade de conquistar sua própria autonomia.
A ideia de fornecer ao sujeito meios de participar ativamente do mundo ao seu redor encontra um paralelo na comunicação social. É através dos meios de comunicação de massa (mass media) que o indivíduo se localiza no mundo, pois ali está a principal fonte de informações sobre sua comunidade. Além de notícias os mass media também fornecem - através de seus diversos manejos e programas - vários recortes que ilustram a estrutura do cotidiano.
Entretanto, os meios de comunicação tendem a se direcionar para um sujeito amórfico; o homem médio. Sua estrutura mira esse componente da massa, que, sem detalhes que o definam nem aspirações próprias, tem a informação ao mesmo tempo como imposição e presente. Surge aqui outra semelhança entre a comunicação e a assistência social; o contato desse homem médio com o comunicador emula o que se pensa da relação entre o assistente social e o usuário dos serviços.
Mesmo que a política atual preveja um sujeito ativo e participativo, a figura que identifica o usuário no imaginário ainda é a de desvalido. Sob essa perspectiva a assistência social deixa de ser um meio de integração para resumir-se a uma dádiva; ajuda o indivíduo incapacitado, afastando-o de sua fraqueza através de um simples encaixe em um novo cenário.
A própria LOAS, inadvertidamente, corrobora esse pensar. A leitura dos incisos do artigo 2º polariza duas preocupações básicas; empregar aqueles sem trabalho e subsidiar aqueles que não têm como o conseguir.
No artigo “Comunicação Pública e Assistência Social” Kênia Figueiredo indica que O primado liberal do trabalho, mais precisamente do assalariado, de que o homem deve manter a si e a sua família com os ganhos de seu trabalho, ou com a venda da sua força de trabalho, não considera que o salário não atende todas as necessidades do homem e que não há trabalho para todos. e As políticas efetivadas tem uma restrita relação com o atendimento aos mínimos sociais.
Essa atitude reducionista gera um problema estrutural pois, conforme dito, simplesmente realoca o sujeito para outro plano sem de fato se preocupar com seu contexto. A concepção é de que essa transição será o suficiente para garantir ao indivíduo acesso a outras políticas públicas que sanem suas novas carências, mas ignora que o cenário para o qual este se encaminha é o mesmo que gerou a necessidade de uma política assistencial. O corolário é que mesmo negando o papel de assistencialismo, a assistência social aceita como algo além do seu poder mudar o cenário e que deve reduzir-se a propulsionar o usuário para um mundo que, em primeira instância, o derrubou.
O preceito de saciar a demanda sem se preocupar com seu nascedouro ou repercussões é outro elemento correlato da assistência social com o presente paradigma da comunicação, que se preocupa em divulgar informação sem contextualizá-la. Se lidar apenas com a questão econômica é ignorar o que colocou o sujeito na posição de alienado, informar passivamente é criar uma casca oca de conhecimento.
As semelhanças indicadas até aqui servem ao mesmo propósito; assimilar o sujeito ao meio social sem que esse compreenda os detalhes estruturais que o cercam. Enquanto a assistência o faz ao encarar um sujeito bidimensional, a comunicação usa de arranjos que dotam toda informação de um hermetismo que impede seu completo entendimento.
Em seu Padrões de Manipulação na Grande Imprensa, Perseu Abramo propõe a existência de certas estruturas de manipulação utilizadas pelos veículos midiáticos. Servindo-se desses conceitos ilustra como a comunicação é feita de forma a ocultar do receptor detalhes e questões acerca das informações que recebe. Fica evidente o quanto a comunicação para o grande público está engessada, precisando de novas formas de se construir e uma audiência que lhe permita utilizar diferentes manejos informativos.
Igualmente, o usuário dos serviços assistenciais carece de um manejo informativo que lhe garanta uma integração não só financeira, mas também intelectual. O encontro dessas duas necessidades concede ao comunicador o campo fértil que precisa para produzir textos que gerem reflexões capazes de reestruturar um cenário.
O anseio por alterar as fórmulas de comunicação não é novo. As mídias digitais trouxeram consigo a possibilidade de novas angulações e de produção de conteúdo independente. Esses ambientes são ideais para construção de um novo paradigma comunicativo, que vá além de simplesmente retratar acontecimentos, mas também os esmiúce com cuidado, concedendo-lhes um recorte crítico e reflexivo.
Uma mídia argumentativa seria de grande auxílio contra nódoas da estrutura assistencial aqui ilustradas. São necessários artigos que se preocupem em desconstruir a falácia da caridade, assim como textos que falem diretamente para o usuário de serviços assistenciais. Aceitando que integrar o individuo vai além do aspecto econômico, surge a demanda por esse discurso que o permita compreender toda a complexidade do ambiente em que vive.
Esse inexplorado filo da comunicação é tão rico e complexo quanto política e economia, e seu êxito depende de profissionais meticulosos e, como reza a teoria, imparciais. A reflexão analítica é intrínseca a proposta para que haja resultado, e o cuidado a ser tomado - tal qual o risco a ser observado - é saber onde termina a crítica e começa a opinião.