Implementando O Suas

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19 Janeiro 2017 - 14h21

O Sistema Único de Assistência Social na prática cotidiana da gestão pública

A Assistência Social no Brasil é um direito do cidadão e dever do Estado, instituído pela Constituição Federal de 1988. A partir de 1993, com a publicação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), definida como política de Seguridade Social, passou a compor o tripé com as políticas de Saúde e Previdência Social.

A instituição do Sistema Único de Assistência Social (Suas), em 2005, representou um avanço na trajetória de construção da política de assistência social brasileira, resultado de um processo de lutas, conquistas e desafios, que efetivou a prática da assistência social como política pública, materializando o conteúdo da Loas. Esse foi mais um passo no processo de implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), elaborado com o intuito de dar andamento ao processo de consolidação desta enquanto Política Pública de Direitos.

O modelo de implementação da política foi reorganizado e passou a se fundamentar na descentralização federativa, com definição clara de atribuições e ações intersetoriais, e consolidando mecanismos mais sólidos e equânimes no sistema de financiamento compartilhado. Estabeleceu um modelo de gestão capaz de dar conta das especificidades que cada área possui, sem perder de vista as diversidades regionais, as peculiaridades de cada município e as especificidades dos territórios e das populações neles existentes, além de manter uma proteção universal, democrática, distributiva e não estigmatizadora.

A efetivação da assistência social como política pública e direito social ainda exige o enfrentamento de grandes desafios, como a superação dos discursos culturais arraigados na sociedade de cunho puramente tradicional e conservador, que tendem a criar uma barreira entre a política pública de assistência social e a busca do direito pelo cidadão.

O Estado precisa atuar ativamente na elaboração de mecanismos de combate à vulnerabilidade social, além de buscar a conscientização da população quanto aos seus direitos socioassistenciais para que haja mudança na realidade social dos usuários em situação de vulnerabilidade.

Esse novo modelo de gestão da política de assistência social supõe um pacto federativo, com definição de competências entre as três esferas de governo, construído por meio de uma nova lógica de organização das ações, em que os programas, projetos, serviços e benefícios socioassistenciais são estruturados e hierarquizados por níveis de complexidade, considerando o tipo de proteção social, de acordo com as referências estabelecidas na PNAS, sendo: proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade para as situações de vulnerabilidade e risco social, respeitando o porte dos municípios.

Na primeira, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) são unidades públicas estatais de base territorial, que organizam e coordenam a rede prestadora de serviços locais. Esse nível de proteção busca a prevenção de situações de risco e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e é destinado à população que vive em situação de vulnerabilidade social. No que tange à implementação, o conjunto dos serviços inclui proteção a família, crianças, jovens e idosos. Tais atividades são desenvolvidas tanto nos CRAS nos municípios quanto nas organizações não governamentais que compõem a rede socioassistencial, em órgãos conveniados por meio de cofinanciamentos federal, estadual e municipal para custeio dessas ações.

A Proteção Social Especial é voltada ao atendimento das famílias e dos indivíduos em situação de risco pessoal e social. Nesse âmbito, são cofinanciados os seguintes serviços: proteção e atendimento especializado às famílias e indivíduos com seus direitos violados; assistência a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto; acolhimento a crianças, adolescentes, idosos e mulheres com vínculos familiares rompidos; e atendimento à população em situação de rua. Os serviços são desenvolvidos nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e nos Centros de Atendimento à população de rua (Centro POP), podendo ser organizados e executados pelo município ou por meio de serviços de referência regional, coordenado e executado pelos estados, ou por intermédio de consórcios públicos entre os municípios. Nesse caso, há dois níveis de complexidade: média e alta.

O novo modelo está direcionado para a instituição da gestão compartilhada na implementação da política de assistência social brasileira. Entre as mudanças, cabe destacar: as legislações (Norma Operacional Básica [NOB/Suas], Norma Operacional Básica de Recursos Humanos [NOB/RH], tipificação dos serviços socioassistenciais, protocolo de gestão integrado entre serviços e benefícios, portarias, resoluções, normativas, entre outras); a organização dos serviços com base na matricialidade sociofamiliar e no território; os níveis de proteção social; a integração com outras políticas sociais; e, especialmente, a distribuição de responsabilidades entre as esferas de governo.

Em síntese, a descentralização e a reorganização propostas pelo PNAS e disciplinadas pela NOB propõem mudanças significativas dentro do Suas. Essa perspectiva é nítida no texto da NOB:

 

Um dos seus objetivos é transformar a política de assistência social em uma política realmente federativa, por meio da cooperação efetiva entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal [...]. A plena concretização do federalismo cooperativo no país requer o aprimoramento de instrumentos legais e institucionais de cooperação intergovernamental. Trata-se, portanto, de uma estratégia fundamental frente à escassez de recursos públicos, à diferenciada capacidade gerencial e fiscal dos entes federados, às profundas desigualdades socioeconômicas regionais e à natureza cada vez mais complexa dos problemas que exigem soluções intersetoriais e intergovernamentais. (MDS, 2005, p. 22)

 

O Suas, consequentemente, busca instituir um modelo de organização da política baseado na normatização, na padronização dos serviços da sua rede prestadora e, principalmente, na implantação de uma nova sistemática de financiamento. Influenciada pela experiência da saúde, a gestão financeira passou por modificações em seus mecanismos de transferência de recursos, nos critérios de partilha e na forma de distribuição.

Com a finalidade de garantir a continuidade das ações, prioriza-se o mecanismo de repasse denominado fundo a fundo, isto é, direto do Fundo Nacional de Assistência Social para os fundos estaduais e municipais, por ordem de prioridade, tendo-se o acompanhamento e o controle da gestão dos recursos pelos respectivos conselhos demonstrados a partir da aprovação do Relatório Anual de Gestão e do Relatório Físico Financeiro.

Apesar dos avanços, ainda temos um grande desafio a ser enfrentado quanto ao cofinanciamento da política de assistência social, haja vista que, para implantar políticas públicas, precisamos priorizar a liberação de recursos financeiros e orçamentários. Nesse sentido, o maior desafio é fazer com que os Estados da Federação cumpram seu papel que é de fundamental importância para a consolidação do Suas, ou seja, garantam o cofinanciamento da política por meio de repasse de recursos financeiros regular, automático e fundo a fundo aos municípios; regionalizem os serviços conforme previsto na Loas; e realizem o assessoramento técnico, apoiando os municípios por meio de monitoramento, capacitação e avaliação dos serviços implantados.

Na conformação do Suas, os conselhos de assistência social são espaços privilegiados que somam forças para sua efetiva implantação e implementação em todas as etapas da gestão desse atual sistema. Assim, a potência dos conselhos enquanto espaço de construção da política retoma força na perspectiva do Suas, reforçando o que já é determinação legal a partir da Loas: efetivar a assistência social como política social de direitos.

Nessa perspectiva, o Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas) representa os municípios brasileiros perante o Governo Federal, principalmente o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), para fortalecer a representação municipal nos espaços de pactuação e deliberação em todo o território nacional, e vem lutando em diferentes frentes, de diversas formas, para garantir e ampliar direitos. Assim, o Congemas tem papel essencial para fortalecer cada vez mais os municípios, contribuindo para o aprimoramento na execução do Suas, na atuação em pactuações e definição de prioridades e metas dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, garantindo avanços para política de assistência social.

Esse processo de mudança na prática cotidiana apresenta algumas questões centrais na compreensão da política social brasileira. As normatizações na assistência social possibilitaram a organização de uma rede de atendimento às necessidades sociais, contribuindo para o fortalecimento da referência pública no acesso aos direitos. Assim, o Suas favorece a visibilidade das violações e seu retorno mediante ações preventivas e de recomposição de direitos de modo articulado com demais políticas públicas e órgãos de defesa.

O fortalecimento da assistência social na relação com órgãos de defesa é imprescindível, considerando a tendência predominante dessa política em assumir demandas e responsabilidades de outras políticas e de órgãos afetos. Tal processo é mais preocupante quando considerada a realidade dos municípios brasileiros na escassez quanto à capacidade de gestão na oferta de um conjunto de serviços sociais públicos.

É importante salientar que a posição estratégica dos equipamentos de assistência social favorece o estabelecimento de fluxos nos encaminhamentos e nas soluções em rede, facilitando o alcance de indivíduos e famílias com direitos violados. Entretanto, frequentemente, a assistência social é chamada a ocupar lacunas das equipes interprofissionais do Sistema de Justiça, que, além de gerar sobrecarga aos profissionais da área, provoca uma fragilidade que impede o próprio reconhecimento da assistência social como sistema, o que pode ter impactos negativos no cumprimento de suas atribuições legais. A busca por respostas e avanços é um desafio a ser enfrentado na esperança de garantir a possibilidade de um trabalho coeso e em rede para convergência de resultados mais efetivos.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Política Nacional de Assistência Social – PNAS e Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília, 2005. ______. Guia de Orientação Técnica – SUAS nº 1 – Proteção Social Básica de Assistência Social. Brasília, 2005.

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