Greenwashing No Brasil: O Consumo Consciente

Por: Instituto Filantropia
10 Novembro 2014 - 23h24

Não é novidade que os consumidores estão cada vez mais preocupados com o meio ambiente. Há algum tempo tem sido possível perceber a crescente conscientização sobre o consumo ecologicamente positivo e o aumento da procura por produtos responsáveis. Como consequência, o universo corporativo responde a tais anseios adaptando sua oferta e comunicação para entregar produtos que habilitem o consumidor a fazer escolhas de menor impacto ambiental. No entanto, o alcance dessa adaptação das empresas nem sempre chega aos processos de extração de matéria-prima, produção e distribuição. Muitas vezes, as declarações e os rótulos ambientais das embalagens dos produtos apresentam informações duvidosas e de difícil comprovação, confundindo o consumidor e transformando os apelos verdes em puro greenwashing.
Prateleiras das mais diversas lojas e supermercados tornaram-se palco para declarações positivas sobre a preocupação ambiental, manifestações que crescem em número e diversificação e que atingem uma gama cada vez maior de produtos. Porém, o crescimento no volume desse tipo de comunicação incita dúvidas sobre a veracidade e a consistência de todos esses apelos. Estará o universo corporativo mitigando seus impactos ambientais na mesma proporção em que comunica tal atuação? A miríade de produtos ecológicos, sustentáveis e amigos do meio ambiente nos deixa, então, mais próximos do tão esperado “consumo sustentável”?
Organizações reguladoras e de defesa do consumidor já deram início ao escrutínio das práticas de rotulagem ambiental. Instituições como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e a PROTESTE já se manifestaram por meio de denúncias, normas e regulamentos para ajudar a proteger o consumidor do oportunismo de algumas empresas que adicionam de forma duvidosa apelos ambientais em produtos ou serviços. Mesmo assim, no local onde boa parte das decisões de compra acontece, o varejo, o consumidor ainda tem poucos aliados no policiamento da maquiagem verde.
Inspirada na pesquisa original “Os Pecados do Greenwashing”, feita pela consultoria canadense Terrachoice, o instituto de pesquisa Market Analysis apresenta os resultados da versão brasileira do estudo, realizado pela segunda vez este ano. Entre os meses de fevereiro e maio de 2014 os corredores de cosméticos, higiene pessoal e produtos de limpeza de cinco lojas pertencentes a redes varejistas nacionais foram visitados, e todos os produtos que possuíam quaisquer apelos ambientais foram catalogados. Os dados comparativos entre a primeira (2010) e a segunda onda (2014) possibilitam o mapeamento das estratégias de maquiagem verde recorrentes no varejo brasileiro.

numero de produtos com apelos ambientais identific

 

OS RÓTULOS VERDES

A pesquisa, ainda em fase de análise para algumas categorias, traz um panorama concreto sobre a rotulagem ambiental nos setores de cosméticos, higiene pessoal e produtos de limpeza. Entre 2010 e 2014, o número de produtos verdes nas mesmas prateleiras é quatro vezes maior: a quantidade de produtos com apelos ambientais subiu 343%. Cosméticos e produtos de higiene pessoal foram os que mais receberam rótulos ambientais nesse período, totalizando o aumento de 463%; produtos de limpeza cresceram 208%.
Esses números indicam um mercado muito mais prolixo no que se refere à comunicação de estratégias de sustentabilidade das empresas. Há muito mais produtos verdes à disposição do consumidor. Inicialmente, o espectro é bastante positivo: com o aumento de promessas ecologicamente responsáveis, assume-se, naturalmente, uma melhoria nos sistemas de produção e fornecimento de produtos com menor impacto ambiental. No entanto, a pesquisa mostra um distanciamento bastante acentuado entre as declarações e o cenário real no mercado. Dentre todos os produtos consultados nas categorias de produtos de limpeza e cosméticos e higiene pessoal, 77% estão cometendo greenwashing. Ou seja, mais de 800 produtos disponíveis no mercado apresentam algum tipo de maquiagem ambiental.

percentual de produtos cometendo algum dos pecados

percentual de produtos por pecado cometido   total

 

REDUÇÃO? NEM TANTO

Entre 2010 e 2014 é possível observar uma ligeira redução no percentual de greenwashing nos segmentos estudados. A proporção de cosméticos e produtos de higiene pessoal cometendo greenwashing em 2014 apresenta uma queda de 8 pontos percentuais. Esse resultado poderia ser visto, com grande contentamento, como um sinalizador de mudanças positivas no cenário da rotulagem ambiental. Porém, a redução da proporção de greenwashing não ofusca o aumento massivo na quantidade de produtos verdes encontrados nas prateleiras. No contexto geral, ainda há muita maquiagem ambiental atrapalhando uma escolha consciente na prateleira.
Afinal, como acontece mesmo o greenwashing? Quais são as estratégias de maquiagem verde mais praticadas? A pesquisa da consultoria canadense identifica sete pecados, que são os mesmos reproduzidos na versão da Market Analysis.

OS SETE PECADOS

Falta de prova: declaração de que o produto é ambientalmente preferível sem indicações acessíveis para comprovar tal afirmação. Exemplo: afirmação de que o produto é biodegradável ou “não testado em animais” em embalagens que não informam website ou número de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) válido para confirmação da informação.
Incerteza: declaração vaga ou abrangente (incluindo gráficos e símbolos) que não possibilita a compreensão objetiva do benefício ambiental declarado. Exemplo: afirmações de que o produto é “amigo do meio ambiente”, “eco”, “sustentável”, “protege a natureza” etc., sem explicações específicas sobre como isso é feito.
Custo ambiental camuflado: apelo a uma característica ambientalmente preferível pontual em um produto ou serviço sem relevar outros critérios de alto impacto na cadeia de produção. Exemplo: produtos de limpeza “verdes” por características específicas (menos embalagem, produto concentrado, embalagem reciclável etc.) que não esclarecem questões como consumo de água e energia na fabricação e no uso do produto.
Culto a falsos rótulos: uso de gráficos e expressões emulando selos ou certificações que, na verdade, não existem. Exemplo: desenho de um planeta Terra entre duas mãos dentro de um retângulo com a frase “cuidando do meio ambiente”, encontrado em diversos desodorantes.
Irrelevância: destaque de características ambientalmente corretas do produto que são, na verdade, obrigações dos fabricantes. Exemplo: a expressão “Não contém CFC [clorofluorcarbono]”, encontrada em embalagens aerossol. O CFC foi banido das embalagens por legislação há décadas.
“Menos ruim”: apelos ambientais presentes em produtos ou serviços cujo consumo, por si só, causa prejuízo maior ao indivíduo e ao meio ambiente. Exemplo: cigarros orgânicos, etanol — o combustível verde, inseticidas e pesticidas “ecológicos”.
Mentira: menções a certificações ou endosso de terceira parte que são falsas ou cujo registro em órgão certificador está vencido. Exemplo: produto com selo Forest Stewardship Council® (FSC) cujo registro não constava no site da organização.

EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS DE GREENWASHING

Considerando o amadurecimento do mercado e do consumidor perante o consumo consciente desde a primeira coleta dos dados, em 2010, estariam as empresas adequando suas estratégias de comunicação verde e acompanhando esses fenômenos? A comparativa dentro desse período revela um aumento substancial do pecado da incerteza. Ou seja, há muito mais declarações comunicando alguma ação responsável sem que esta possa ser comprovada, ou que esteja desacompanhada de explicações claras.
O culto aos falsos rótulos passa a ser o segundo pecado mais praticado, mas essa mudança é fruto, na verdade, da queda expressiva da proporção de produtos cometendo os pecados da falta de prova e do custo ambiental camuflado. Aqui é válido questionar: as empresas estão efetivamente reduzindo a quantidade de declarações ambientais oportunistas? Ou estão sofisticando as práticas de greenwashing e adaptando a comunicação para um mercado mais informado?
Seja na sofisticação das práticas de greenwashing ou na efetiva adoção de práticas sustentáveis, empresas estão definitivamente dando mais atenção aos assuntos “verdes”. Exemplo do amadurecimento e da busca por novas práticas sustentáveis é a parceria que marcas estão desenvolvendo com a Terra Cycle, organização focada na coleta de lixo e fabricação de produtos verdes a partir de vários tipos de materiais de difícil reciclabilidade. Empresas estão se unindo à Terra Cycle a fim de ativar a logística reversa e se responsabilizar pela reciclagem de seus próprios produtos. Tais ações sugerem uma valorização da agenda verde no contexto corporativo e indicam sinais positivos para o futuro.

O FUTURO

E por falar em futuro, quais são as consequências que as práticas de greenwashing trazem em longo prazo?
A sustentabilidade, como atributo de venda, parece ter virado commodity. Do ponto de vista do consumidor, as práticas ambientalmente responsáveis cada vez mais fazem parte dos critérios básicos de julgamento e escolha de marcas, dividindo o peso com atributos clássicos como preço, qualidade, disponibilidade etc. No entanto, a cadeia produtiva ainda enfrenta desafios importantes de diminuição de impacto e implementação de práticas sustentáveis. Essa brecha entre a percepção do consumidor sobre a abundância dos produtos verdes e a quantidade real de opções ambientalmente preferíveis que as empresas conseguem oferecer se alimenta justamente das práticas desonestas de rotulagem ambiental. No anseio por resultados financeiros imediatos, empresas parecem não perceber que os falsos rótulos impactam diretamente a percepção de credibilidade por parte do consumidor. Nessa história, além do consumidor, saem perdendo aquelas empresas que implementam ações genuínas e pagam o preço — mais caro — da responsabilidade ambiental.
O estudo sobre o greenwashing no Brasil serve como um alerta e tem como objetivo alimentar debates para a evolução positiva e verdadeira na relação entre empresas, consumidores e meio ambiente. Fica evidente a necessidade de compreensão a respeito da rotulagem ambiental por todas as partes. A fim de aproximar a realidade do que se espera de uma sociedade sustentável, a conscientização e a educação sobre os produtos e serviços verdes ainda têm um longo caminho a ser percorrido.

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