Em mais de uma década e meia atuando em defesa dos direitos dos animais, a ativista, atriz e apresentadora Luisa Mell nunca conseguiu ficar indiferente a uma denúncia de maus-tratos
Por ser fiel a esta característica, Luisa Mell já realizou resgates nos locais mais detestáveis, flagrou cenas de crueldade sem limites e encontrou gente, de todas as classes sociais e acima de qualquer suspeita, capaz de explorar vidas inocentes para ganhar dinheiro. E chorou. Chorou muito.
Um desses momentos ocorreu em julho de 2004, quando comandava o programa Late Show, o primeiro do gênero na tevê aberta (Rede TV), que colocou em debate não somente o crescente mercado pet, mas divulgou o péssimo estado dos animais em abrigos públicos e privados, ajudando a mudar a visão dos brasileiros sobre a adoção responsável, especialmente a de vira-latas.
À época, denúncias de protetores levaram Luisa ao Centro de Controle de Zoonoses de Osasco, onde cães eram mantidos em condições sanitárias terríveis e até mesmo mortos a pauladas. “Encontrei um pedaço de pau com sangue, animais tremendo, morrendo, sem água, sem comida. Foi a visão do inferno”, relata.
Outra passagem ruidosa se deu em outubro de 2013, quando Luisa e um grupo de ativistas invadiram o Instituto Royal, em São Roque, e resgataram 178 beagles, raça de cães preferida nas pesquisas científicas por ter menos variações genéticas, tornando os resultados dos testes mais exatos. O episódio teve repercussão mundial, colocando o tema em debate na sociedade e incentivando muitas pessoas e celebridades a se posicionar contra testes de produtos em cobaias.
De família judia, a paulistana Marina Zatz de Camargo nasceu em 19 de setembro de 1978 e foi criada no bairro do Bom Retiro. Seu nome artístico surgiu da escolha do primeiro nome da avó, Luisa, vítima fatal de atropelamento. O sobrenome, que seria em homenagem ao ator Luís Mello, de quem é fá, foi usado apenas na primeira aparição na tevê. A supressão da letra “o” se deu por acaso, quando sua mãe, Sandra, fez uma pausa em um texto de divulgação que escrevia no computador, parando justamente em “Mell”, palavra prontamente apontada por seu pai, José Alfredo, como a ideal.
Mãe de Enzo, de 3 anos, fruto da união com o empresário Gilberto Zaborowsky, e adepta do veganismo, Luisa é fundadora da ONG (ilm.org.br) que leva o seu nome e atua denunciando, resgatando e promovendo campanhas de adoção em todo o Brasil, em um grande esforço em busca de apoio para continuar operando para salvar o maior número possível de animais vítimas de crueldade e conscientizar a população e os legisladores.
Na entrevista a seguir, conheça um pouco mais sobre a ativista, que recentemente lançou, pela Globo Livros, o livro de memórias “Como os animais salvaram minha vida”, no qual relata parte de sua infância e adolescência, o início na tevê, a gravidez, o veganismo e o envolvimento com os animais, que a ajudaram a superar limites e a vencer a depressão.
Revista Filantropia: Considerado um marco na tevê brasileira, o Late Show foi um programa essencial na luta pelos direitos dos animais e denunciou abusos. Como era fazer todo aquele trabalho?
Luisa Mell: O Late Show estreou em setembro de 2002, e o nome foi ideia do meu pai, numa brincadeira com o programa homônimo do David Letterman [transmitido pela CBS, com esse apresentador, entre agosto de 1993 e maio de 2015]. O objetivo era informar e divertir os donos de pets. Mostrávamos as características de cada raça de cachorro, fazíamos matérias em zoológicos e aquários. Naquela época, eu ainda acreditava que eram ótimos lugares para quem gosta de bicho. Mas, aos poucos, a cruel verdade chegava até mim. E eu mostrava na tevê. Comecei a gravar matérias em santuários que recebiam animais vindos de circos. Sem dentes, unhas e doentes, eram abandonados na velhice, quando não serviam mais para os espetáculos. Descobri que elefantes, que aparentemente dançavam nos circos, tinham sido condicionados a levantar as patas recebendo choques.
Os maus-tratos nos circos foram revelados na tevê aberta. A partir dali, começou o fim dos circos com animais no Brasil. Foi gradativo. A legislação federal até hoje não foi alterada, entretanto várias cidades proibiram “espetáculos” com bichos. E o público parou de querer assistir a esse tipo de show. Os circos tiveram de modificar suas atrações.
O Late Show denunciou maus-tratos e crueldade contra os animais de rua. E o vira-lata começou a ser mais adotado.
RF: À época do programa, qual foi o caso de maus-tratos e resgate que mais te marcou?
Luisa: Essa era a parte mais forte do Late Show, em que o público chorava assistindo a todos aqueles absurdos. Comecei a pular muros, a arrombar portas para salvar vidas. As pessoas começaram a se envolver cada vez mais e ficavam do meu lado, emocionadas, mas os patrocinadores estavam cada vez mais irritados, pois queriam amenidades. A coisa piorou quando comecei a mexer com o poder público.
Recebi uma denúncia sobre o Centro de Controle de Zoonoses de Osasco. Protetores diziam que cães eram mortos a pauladas, enquanto outros, nos canis, estavam em péssimas condições. Lá, eu tive uma das visões mais aterradoras e cruéis da minha vida. Caí no choro com todo aquele horror. Encontrei um pedaço de pau com sangue, animais tremendo, morrendo, sem água, sem comida. Foi a visão do inferno.
Colocamos no programa e a repercussão foi inacreditável. Depois do escândalo todo, medidas foram tomadas e o CCZ de Osasco foi totalmente transformado. Hoje, faz-se um ótimo trabalho lá. Minhas lágrimas, meus escândalos e as confusões me prejudicaram muito, mas fizeram a diferença na vida de inúmeros animais.
RF: Como se deu a fundação do seu Instituto?
Luisa: Foi um sonho realizado. O Instituto Luisa Mell de Defesa aos Animais e Meio Ambiente nasceu em 2 de fevereiro de 2015. Conseguimos unir pessoas dispostas a fazer um trabalho sério e totalmente voluntário pelos animais. A partir desse dia, nunca mais estive sozinha nessa luta. Em todos os momentos tenho uma equipe unida que luta, trabalha, encara dívidas e desafios comigo salvando muitas vidas e fazendo a diferença.
Durante muitos anos, desde que me envolvi com resgates de cães e gatos, sempre visitei ONGs e protetores de animais do país inteiro. Eu nunca vou entender quem abandona um animal. Não consigo aceitar quem, na primeira dificuldade, tem coragem de jogar na rua um grande amigo. Mas entendo perfeitamente quem se descontrola por amor.
RF: Qual tem sido seu maior desafio para levar o trabalho da ONG adiante?
Luisa: Hesitei muito em ter minha própria ONG. Como sou muito conhecida por ajudar animais, recebo diariamente centenas de pedidos, pelas redes sociais, por e-mail, de pessoas que me encontram nas ruas e até das que descobrem meu telefone. Meu maior desafio foi aprender a dizer não. Minha compaixão não tem limites, mas meu abrigo tem. Tive de aceitar que não posso salvar todos, porém todos os que eu resgatar terão absolutamente tudo de que precisarem. Minha maior sorte foi ter encontrado pessoas dispostas a ajudar os animais só por compaixão, mas sem perder a razão. Conseguimos formar um time perfeito e, juntos, fazer a diferença na vida de milhares de animais.
Embora o Instituto leve o meu nome, ele só existe por causa de todos os que nos ajudam. Cada pessoa que doa qualquer quantia ou compra algum produto que ajuda a nossa ONG é também responsável por tudo isso. Cada um que doa seu tempo e trabalha como voluntário do nosso Instituto também é peça fundamental.
RF: Como é o trabalho realizado?
Luisa: O nosso abrigo tem 27 mil metros quadrados. Atualmente, temos um hospital veterinário próprio em nossa sede, que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana. Mantemos um abrigo com cerca de 300 cães e gatos. Três veterinárias se revezam para atender os animais que chegam dos resgates, os que estão internados por problemas de saúde e os animais de pessoas sem condições financeiras para pagar uma consulta.
Para manter toda essa infraestrutura, realizamos grandes eventos de adoção duas vezes por mês. Nosso trabalho vai além, chegando ao pós-adoção. Além de auxiliar na adaptação, continuamos acompanhando os animais por fotos e vídeos que recebemos dos donos. Quando suspeitamos de algo errado, alguém do Instituto vai até o local conferir. Eu faço visitas-surpresa periodicamente na casa de alguns adotados. Também começamos a resgatar cavalos, mulas, burros e jegues.
RF: Um dos casos mais emblemáticos dos quais você participou foi o resgate dos cães no Instituto Royal. Como você se envolveu e quais foram os resultados práticos daquela ação?
Luisa: Em 13 de outubro de 2013, soube que ativistas estavam acorrentados ao muro do Instituto Royal, em São Roque, protestando contra os testes da indústria farmacêutica realizados naquele local, em que se usavam cães da raça beagle como cobaias.
Eles pediram e eu divulguei meu apoio, ao vivo, em uma entrevista para a Rádio Globo e nas minhas redes sociais. Recebi informações com denúncias sobre as atrocidades e irregularidades cometidas naquele imóvel, que já vinha sendo monitorado pelos ativistas desde 2011.
O Instituto realizava testes em animais para empresas privadas, mesmo sendo uma Oscip. Descobriram que o local estava com a documentação toda irregular. Entraram com uma ação civil pública contra o Instituto. Laudos de peritos constataram maus-tratos. O lugar realizava pesquisas sem supervisão desde 2005 e tinha recebido R$ 5 milhões do governo federal enquanto possuía apenas alvará de canil. O Instituto Royal fechou as portas em novembro de 2013, 19 dias após o resgate.
Os beagles foram adotados e hoje vivem como pets. Todos os anos, em 18 de outubro, a ativista Adriana Greco, hoje uma das minhas melhores amigas, organiza uma festa com o reencontro dos beagles. Além de cada animal salvo, nossa grande vitória foi o início da conscientização da população brasileira. A história da proteção animal no Brasil se divide entre o antes e o depois do resgate dos beagles no Instituto Royal. Minha história também. Foi naquele momento que resgatei totalmente a minha fé. Eu não dava mais a mínima para ter de volta um programa na televisão. Entendi que minha missão era bem maior do que isso.
RF: Como você conheceu o veganismo, quando começou e que benefícios trouxe para sua saúde? E como foi ter levado adiante esse tipo de dieta, sem carnes nem derivados de leite, durante a gravidez?
Luisa: A correria da vida profissional e os problemas cotidianos me proporcionaram fortes dores de estômago. Em 2005, meu médico me mandou mudar de vida, ou poderia ter câncer. Resultado, acabei virando 100% vegetariana. As dores sumiram. Foi somente em agosto de 2013 que me tornei vegana, e esse estilo de vida era um assunto pouco debatido no Brasil. A maioria das pessoas, inclusive da minha família, não entendia a minha escolha.
O veganismo é um movimento que também luta pelos direitos dos animais. A dieta é livre de quaisquer alimentos de origem ou derivados de animais, e quem pratica não utiliza sapatos, roupas, cosméticos e produtos farmacêuticos testados ou que tenham ingredientes de origem animal.
A dieta vegana mudou a minha vida. Por anos sofri com problemas de pele. Cheguei a tomar medicamentos perigosos e controlados — entre eles o Roacutan. Mas, desde que parei de tomar leite, nunca mais tive problemas cutâneos. Também deixei de usar remédio ou creme específico.
Na gravidez, me dei conta de que a opção de criar meu filho no veganismo seria um grande desafio. Enfrentei críticas de todos os lados, questionamentos de todos os tipos. Mas com o apoio de médicos e nutricionistas, aprendi a me alimentar e a nutrir meu filho de forma saudável e de acordo com meus ideais. Enzo sempre foi uma criança forte, esperta e com crescimento acima da curva normal. Andou com 10 meses e falou cedo. Será preciso mesmo uma prova melhor do que esta?
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