A espera foi longa, as dúvidas foram se acumulando e, oito anos após a publicação da Lei Federal nº 12.101/2009, que dispõe sobre a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), finalmente o Ministério da Educação (MEC) emitiu a Portaria Normativa nº 15, publicada no dia 14 de agosto.
Essa portaria visa suprir a necessidade de regulamentação de procedimentos e aspectos práticos relativos à certificação e à supervisão de entidades beneficentes de assistência social com atuação na área educacional.
A norma estabelece condutas para que as entidades sejam acompanhadas e fiscalizadas, competindo à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) a atribuição de aprovar e emitir a certificação.
Pela portaria, as entidades beneficentes da assistência social na área de educação são aquelas que atuam, diretamente ou por meio de instituições de ensino mantidas, na oferta da educação básica regular e presencial e da educação superior, ou em ambos os níveis.
É fato que os procedimentos trazidos pela portaria, muitos dos quais já contidos na lei, exigem integração das áreas e competências da entidade, fazendo um movimento sinérgico dos profissionais de departamentos como educação, tecnologia, contabilidade e jurídico.
De forma geral, a portaria resolve diversos questionamentos acumulados nesses anos, inclusive com modelos. Mas, também, cria novos desafios e necessidades de adaptações. Por exemplo, ela ultrapassa a lei e a Constituição Federal em alguns aspectos, principalmente na questão da preponderância e do exercício de outras atividades.
Outro ponto fundamental é que a portaria não cita como será a análise quanto à adequação ao Plano Nacional de Educação (PNE), tornando-a subjetiva. Como entrou em vigor na data de sua publicação, todos os processos entregues a partir de 14 de agosto de 2017 já devem ser formatados nos moldes da nova legislação.
1 - Já traz nos "considerandos" a necessidade de adequação dos requerimentos ao PNE e diretrizes de qualidade, inclusive delegando ao MEC a definição das prioridades, mas não cita como será esta análise. Em função dessa lacuna, os profissionais das entidades deverão estudar o PNE, de modo integrado entre a gestão e a área pedagógica, a fim de detectar condições aplicáveis, novos procedimentos e cuidados.
Vale ressaltar, nesse momento de preparo para as matrículas de 2018, que as Planilhas de Custos e Formação de Preço devem contemplar todos os dispêndios e investimentos necessários.
2 - O parágrafo 2º do artigo 4º traz dispositivo que exige muita atenção, pois estabelece que a instituição com atuação preponderante diversa das atividades da Lei nº 12.101/2009 (saúde, social e educação) não fará jus ao Cebas-Educação. A definição de preponderância, tratada no decreto, e a redação dada na portaria poderão ensejar conflitos em função de algumas atividades, como aquelas prestadas por entidades religiosas e instituições com atividades sustentáveis, por exemplo.
Em análise preliminar, a portaria estaria ultrapassando sua finalidade e competência, criando obstáculos ao exercício das entidades e trazendo entendimentos diversos da lei. Neste aspecto, recomenda-se a discussão com uma assessoria jurídica de modo a prevenir litígios e adequações estatutárias.
3 - Em relação aos bolsistas, reafirma que aqueles atendidos pelas entidades devem constar no sistema Censo (Inep), do MEC, inclusive solicitando número na listagem-padrão. Recomenda-se a revisão e o alinhamento dos bancos de dados existentes, inclusive Área de Bolsas e Secretaria. Em breve, é provável que os diversos órgãos de fiscalização ampliem o cruzamento de dados. Por isso, é muito importante que as entidades reforcem seus controles internos das áreas de secretaria × financeira × contábil. Atualmente, são realizados vários cruzamentos de dados pela Receita Federal, secretarias e Tribunal de Contas, em especial acerca dos alunos do Programa Universidade Para Todos (ProUni).
Neste quesito, o artigo 41 determina que, "ao tomar conhecimento de indícios de irregularidade em área diversa da educação, o MEC dará ciência aos órgãos competentes".
4 - Também estabeleceu que entidades (unidades) 100% gratuitas devem conceder bolsas em, no mínimo, 1 × 5 no perfil (social e econômico) da Lei nº 12.101/2009, mesmo as conveniadas. Inclusive, devem apresentar toda a documentação de aferimento do perfil como citado na portaria. Tal situação exigirá instrumentos jurídicos para garantir o acesso às informações dos bolsistas e às disponibilidades dessas.
Assim, é importante manter em dia os controles internos e os contratos de gratuidade educacional, de modo a proteger a entidade.
É também imprescindível a elaboração da planilha de custos escolares, em atendimento à Lei nº 9.870/1999, exigida na Lei nº 12.101/2009, na qual se deve indicar, além dos custos com pessoal e administrativos, o quantitativo de alunos com gratuidade, somando-se a esses aqueles alcançados pelas respectivas convenções coletivas das categorias, em cada estado. Desse modo, tal como os aspectos da tecnologia, contabilidade e da área jurídica, o planejamento para concessão das gratuidades é fundamental para a formação do preço da anuidade/ semestralidade escolar.
5 - A portaria também conceitua os "benefícios" para fins de gratuidades, previstos na Lei nº 12.101/2009, como aqueles providos a beneficiários com até 1,5 salário mínimo per capita, e que tenham a finalidade de favorecer a permanência e aprendizado dos mesmos.
Também faz a definição em três tipos, que podem ampliar o alcance do público atendido e ser de muito interesse para algumas instituições. Aquelas que adotarem esse expediente devem se atentar às exigências que a portaria traz, por exemplo, o Termo de Concessão de Benefícios Complementares (tipos 1 e 2) e o Termo de Parceria (substituição de bolsas por projetos) (tipo 3).
Ainda, apresenta a forma de conversão dos custos em benefícios para bolsas, conforme pode ser visto no Anexo IX da portaria: Custos dos benefícios/(receita bruta mensalidades exercício anterior/Alunos matriculados – exclui inadimplentes).
Enfim, é preciso ter muito zelo na documentação para as entidades que usarem essa possibilidade, sendo fundamental uma revisão nos controles internos, processos e procedimentos de concessão e acompanhamento do beneficiário. As instituições que, em anos anteriores, já mantinham serviços dentro desses requisitos eventualmente poderão se valer desses valores concedidos.
6 - Em relação à renda per capita, a norma estabelece a forma de cálculo em seu artigo 12, definindo grupo familiar, renda bruta, entre outros. Exige divulgação dos editais e envio no processo de declaração do gestor da entidade.
Ainda, alunos no Cadastro Único (CadÚnico) ou em Programas de Transferência de Renda com mesmo perfil (socioeconômico) da Lei nº 12.101/2009, devidamente comprovados, ficam dispensados da análise. A orientação é que as instituições revisem seus processos de concessão em observância à nova normativa, bem como ajustem seus editais e demais documentos (Contratos e Instrumentos de Gratuidades Concedidas).
7 - A portaria traz diversos modelos de documentos e checklists que devem ser respeitados pela entidade. Também reforça a necessidade de cumprimento das Normas de Contabilidade, citada claramente, desde a Lei nº 12.101/2009, conforme descrito no artigo 66:
"Os registros contábeis referentes às gratuidades concedidas pelas entidades requerentes do Cebas deverão observar as regras contidas nas Normas Brasileiras de Contabilidade – NBC, devendo estar devidamente contabilizados nas Demonstrações do Resultado do Exercício, e explicitados em suas Notas Explicativas".
Nesse quesito, vale reforçar o papel e a importância das avaliações permanentes dos controles internos e documentos, bem como da auditoria contábil para a manutenção da conformidade contábil, e, por que não dizer, de uma "auditoria das ações sociais" para a manutenção da conformidade dos cálculos e da documentação dos beneficiários.
Dada a relevância (imunidade), impacto financeiro (custo) e estratégico das gratuidades e do Cebas, as entidades devem investir e fazer uso permanente de ações de auditoria de conformidade das práticas que envolvem essa área.
As notas explicativas devem ser bem detalhadas e referenciadas nesses aspectos, além de auditadas. Sem deixar de mencionar que problemas contábeis podem causar problemas de certificação e imunidade tributária, com altíssimos custos e riscos às entidades e seus dirigentes.
8 - O Artigo 36 do Decreto Federal nº 8.242/2014, que dispõe sobre a prestação de contas anual, finalmente foi tratado, ou seja, a entidade portadora do Cebas deve apresentá-la ao MEC, até o dia 30 de abril de cada ano, por meio de Relatório Anual de Monitoramento.
Esse "novo" relatório é a união do Relatório de Atividades (modelo da portaria) com os demonstrativos contábeis. Portanto, as entidades devem estar atentas a seus fechamentos contábeis, a fim de cumprirem esta obrigação no prazo. A entidade fica dispensada dessa entrega no ano de renovação.
9 - Em relação à placa indicativa, além de manter em local visível ao público, em todos os seus estabelecimentos, contendo informações sobre a sua condição de entidade beneficente de assistência social e sua área de atuação, de acordo com modelo disponível no Portal Cebas- Educação (que até o presente momento não existe), deve também manter a indicação de sua condição de entidade detentora do Cebas-Educação em todos os canais e meios de comunicação adotados pela entidade, bem como por suas mantidas
10 - A entidade deverá manter TODOS os registros do processo de seleção dos bolsistas por até dez anos, à disposição dos órgãos competentes e da sociedade. Nesse aspecto, em que é exigida cautela, o acesso à informação foi ampliado.
Não é demais recomendar a leitura e a aplicação do disposto na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), que regula o acesso a informações, previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal, e de forte impacto e responsabilidade aos gestores.
11 - Assim, a portaria representa avanços no tocante aos procedimentos da transparência, denúncias e comunicação, para os quais devem as entidades acelerar o estabelecimento de seus programas de integridade e conformidade (compliance), de modo a proteger a organização e seus dirigentes.
A AUDISA vem acompanhando a preocupação manifestada e as ações de entidades que já fazem adequações e implantando seus programas de integridade e conformidade.
É fundamental buscar a segurança e a confiabilidade das informações que serão prestadas aos órgãos públicos e à sociedade, bem como atuar de modo a proteger a continuidade da entidade e a integridade dos dirigentes, em sua maioria, voluntários.
12 - Nas Disposições Transitórias, ao tratar da análise e decisão dos requerimentos protocolados até 2015, a portaria apresenta três situações relevantes:
A) Para as entidades que atuam na educação básica ou na educação superior com adesão ao ProUni, de forma isolada ou concomitante, será aplicado o cálculo de apuração de gratuidade de 20% sobre o valor da receita anual efetivamente recebida, exceto na hipótese prevista no art. 16 da Lei nº 12.868/2013.
B) Para as entidades que atuam na educação superior sem adesão ao ProUni, será aplicado o cálculo de apuração de gratuidade de 20% sobre o valor da receita bruta anual, exceto na hipótese prevista no art. 16 da Lei nº 12.868/2013.
C) Os requerimentos de concessão ou renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, protocolados até 31 de dezembro de 2015, serão analisados com base nos critérios vigentes até a data de publicação da Lei nº 12.868/2013. Aplicam-se os critérios vigentes após a publicação da referida lei, caso sejam mais vantajosos à entidade postulante. Nota-se o incentivo, atrativo e impacto no fluxo de caixa para as entidades aderentes ao ProUni.
13 - Por fim, a portaria traz diversos Anexos para facilitar e padronizar os procedimentos, e as entidades podem incorporar esses documentos em seus sistemas.
• Anexos I, II, III e IV: somente aplicável para entidades que utilizam benefícios para compor gratuidade. Deve ser assinada por todos os beneficiários anualmente.
• Anexo V: aplicável a todas as entidades – Modelo de Relatório de Atividades. Inclusive, deve contemplar alcance das metas do plano de atendimento precedente. Utilizado no momento da renovação/concessão.
• Anexo VI: modelo de listagem dos bolsistas e beneficiários, aplicável a todas as entidades. Utilizado no momento da renovação/concessão.
• Anexo VII: Declaração de Análise de Perfil aplicável a todas as entidades. Utilizado no momento da renovação/concessão.
• Anexo VIII: metodologia de cálculo 1 × 5 básica e superior (com e sem ProUni).
• Anexo IX: método de cálculo para conversão de benefícios em bolsas de estudo.
• Anexo X: modelo de requerimento.
• Anexo XI: checklist.
• Anexo XII: Modelo de Plano de Atendimento.
Enfim, regulamentada em seus aspectos operacionais no MEC, os cuidados e as cobranças devem ser maiores sobre as entidades, bem como a necessidade de adequações necessárias para a manutenção do Cebas e da imunidade tributária.
Tal imunidade, que representa importante mecanismo de sustentabilidade institucional, exige melhor acompanhamento da gestão, mantendo de forma viável as gratuidades e todos os requisitos necessários à manutenção da imunidade, ainda mais em tempos de crise econômica e do alto impacto das contribuições à seguridade social.