Conectando o voluntariado em tempos de pandemia

Por: Vânia Maria Assis Ribeiro
13 Dezembro 2021 - 00h00

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A pandemia causada pela COVID-19 causou impacto de grande envergadura nos serviços de saúde, sobretudo na rede hospitalar. Por um lado, exigiu a atuação efetiva de equipes para atuar na linha de frente de combate à doença, atendendo pacientes em serviços de emergência, enfermarias e unidades de terapia intensiva, diuturnamente e, de outro, impôs normas de biossegurança, dentre elas o impedimento de que pacientes hospitalizados recebessem visitas de familiares ou de voluntários, com vistas a garantir o distanciamento e a redução máxima de contatos em nome da prevenção do contágio.

O voluntário é aquele que dedica um tempo da sua vida a serviços solidários que visam intervir junto a demandas de sofrimento, adversidades e carências com o sentido de fazer a diferença para os que são beneficiários das suas ações. No contexto hospitalar pediátrico em oncologia, os voluntários são notoriamente reconhecidos pelos pacientes, pelos seus acompanhantes e pela equipe como agentes promotores de bem-estar e de humanização, fatores estes que contribuem para a melhor recuperação da saúde. Voluntários de um hospital pediátrico promovem visitas aos leitos, recreação lúdica, vínculo, festas comemorativas, ações educativas, grupos, passeios, dentre outros.

A Associação Peter Pan (APP) é a organização cearense que tem seu foco de ação na transformação da realidade do câncer infanto-juvenil e mantém um corpo de 332 voluntários que atuam em vários programas sociais, inclusive na relação direta com pacientes e familiares que vivenciam internação hospitalar e/ou assistência ambulatorial no Centro Pediátrico do Câncer (CPC), em Fortaleza, Ceará. Instituição reconhecida nacionalmente, apoia-se em um processo gerencial de seu voluntariado de forma a estar aberta a inovações que se façam prementes.

O cenário da COVID-19 criou, então, um desafio intenso para a APP, que foi o de ter que se reinventar para respeitar as normas sanitárias e defendê-las em nome da saúde, criando maneiras de manter o voluntariado conectado entre si e com a instituição, desde que de forma segura. Sendo assim, a principal alternativa foi o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) enquanto ferramentas para o desenvolvimento de trabalhos remotos de qualidade.

No dia 13 de março de 2020, o trabalho voluntário presencial da APP foi suspenso, situação que continua até julho de 2021, quando já se discutem estratégias seguras de retorno, mas ainda a depender da anuência das autoridades sanitárias. Portanto, nesses 16 meses, várias ações têm se configurado como experiências bem-sucedidas, que podem servir de exemplo para o Terceiro Setor e demais instituições que tenham voluntariado, sendo o intuito deste artigo a apresentação das intervenções realizadas de suporte e retenção do quadro de voluntários ativos durante a suspensão da presencialidade e da convivência tão caras às práticas humanizadoras.

Bate-papo virtual

Ser voluntário significa ser um ponto de uma rede de apoio e, por meio dela, estabelecer relações de cuidado com os usuários das ações que prestam. Desse modo, o isolamento social foi enfrentado com a ação denominada “Bate-Papo” visando à manutenção do vínculo entre o voluntariado e a APP, e deles com os colegas de missão, no sentido de continuar o sentimento de pertença e conexão. Foi realizado por meio remoto, pela plataforma Google Meet, semanalmente, ocupando simbolicamente a presença deles na instituição. Atualmente, contabilizam-se 41 encontros, cujas temáticas versaram acerca da socialização do talento de cada voluntário, palestras motivacionais com convidados, aproximação e diálogo sobre o contexto hospitalar a partir de fala dos profissionais e sobre a rotina, pensando-se a prática voluntária pós-pandemia.

O gráfico abaixo demonstra a evolução da adesão dos voluntários às ações do Bate-Papo Virtual no período de julho de 2020 a julho de 2021, elucidando uma média de 50 voluntários por encontro.

Capacitação

Outra forma de conexão da rede de voluntários foi a realização de atividades educativas remotas para as diversas habilidades que são demandadas pelos programas sociais. Foram feitas três capacitações, sobre “Formação de Contadores de Histórias”, com 10 encontros: “Vivência: acolhendo a si mesmo e potencializando o seu eu; com 5 encontros” e “Minicurso: tanatologia e abordagem do processo da morte e do morrer. Ao todo, foram 98 voluntários contemplados com essas ações formadoras e de aprimoramento.

Ao final das capacitações, a APP procedeu com avaliação qualitativa por meio de depoimentos. O texto a seguir é um fragmento de uma das devolutivas feitas pelos voluntários ao final da vivência “Acolhendo a Si Mesmo e Potencializando o Seu Eu”: “o curso foi um dos momentos mais importantes que passei em 2021 [...] Foi uma descoberta tão gratificante e acolhedora para a minha compreensão, pois me faz ver que eu precisava de amor, que eu poderia cuidar de mim sem culpa ou cobrança. Ao longo do curso fui ouvindo o depoimento dos colegas e percebendo que a dor do outro era parecida com a minha e que eu poderia sentir essa dor sem culpa [...].

Drive-thru

Reforçando a ideia de conexão e pertença que é própria do voluntariado, então, as datas comemorativas mais relevantes exigiram atenção especial de modo que todos fossem lembrados e valorizados. Foi com essa ideia que o Dia Nacional do Voluntariado e o Dia Internacional do Voluntariado, em 28 de agosto e 5 de dezembro de 2020, respectivamente, foram comemorados por um sistema drive-thru, em frente à Associação Peter Pan, com a entrega de souvenires e manifestação de valorização e reconhecimento por meio de mensagens.

A imagem a seguir compôs um cartão de homenagem aos voluntários com ilustração realizada por uma paciente do Centro Pediátrico do Câncer.

Plantão Psicológico Virtual

Ao se conceber o voluntário como agente social e como pessoa afetada pela crise sanitária, a APP efetivou o acolhimento psicológico remoto, com escuta qualificada realizada por psicóloga da instituição, seguindo as normas do Conselho Federal e Regional de Psicologia. O público-alvo foram os voluntários de todos os programas sociais. A ação funcionou por meio de agendamento, totalizando 85 atendimentos até agora. Para divulgar o acolhimento, foi realizada busca ativa pela coordenação do voluntariado. Os voluntários receberam positivamente esta ação e notou-se que eles, com esse diálogo, sentiam-se acolhidos enquanto vivenciavam sintomas de depressão, ansiedade, preocupação com a doença, com familiares enfermos e até perdas.

Como toda crise, a pandemia causada pela Covid 19 impulsionou a humanidade a sair do lugar-comum e buscar soluções inusitadas para problemas também novos. Toda crise tem aspectos negativos, profundos e que deixam marcas e lutos nas coletividades, mas tem, ainda, oportunidades, esperança e determinação em não desistir de cuidar das pessoas afetadas. Em se falando especificamente do voluntariado, o primeiro movimento foi o de manter a rede conectada, coesa e apoiada. O segundo momento foi planejar com rapidez, apresentar e desenvolver as propostas, que abrangeram eixos desde a capacitação até o apoio à saúde mental. Tudo isso em meio a uma forte determinação de quebra de paradigmas e de usufruto do melhor do que as tecnologias de informação e comunicação oferecem. Portanto, considera-se que se fez do mundo virtual uma possibilidade positiva e que, quando autorizados a voltarem presencialmente, os voluntários terão em si o sentido das suas ações e a sensação de pertença a uma rede preservada.

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