Sou uma funcionária do Sistema Único de Assistência Social (Suas) em constante aprendizado. Não canso de posicionar-me dessa forma, como um sujeito sempre em formação, sempre em busca de conhecimento.
Passei a refletir sobre esse posicionamento a partir das experiências profissionais que vivenciei. O início dessa jornada ocorreu com o estágio de Psicologia em que realizei no CAPS Infanto-Juvenil e, posteriormente, ao assumir o cargo de educadora social no Centro de Convivência Santo Antônio, na cidade de Caxias do Sul (RS). Ambas as experiências foram – e são – desafiadoras por si só.
No CAPS Infanto-Juvenil, tive a primeira experiência de trabalhar com a população do Sistema Único de Saúde (SUS) e de acompanhar os usuários com transtornos mentais graves e/ou persistentes. Gostei do desafio e queria mais. Ao vencer o período máximo de realização do estágio extracurricular, precisei buscar uma nova experiência. Após dois meses, fui indicada ao cargo de educadora social. Meus olhos brilharam e meu coração acelerou. Eu já tinha experimentado algo parecido, acreditava que era a chance de dar continuidade ao meu trabalho na área social e, com um pouco de receio e muito entusiasmo, comecei a trabalhar no Centro de Convivência.
Fui de um serviço de alta complexidade do SUS para um serviço de baixa complexidade do Suas. Apesar disso, algumas semelhanças entre eles são notórias, visto que ambos visam ao atendimento a crianças e adolescentes. O primeiro, de 0 a 17 anos e 11 meses, e o segundo de 6 anos a 15 anos e 11 meses.
Ao analisar esses três anos – pouco em tempo, mas muito rico em aprendizados –, pude destacar algumas reflexões que essas experiências profissionais me proporcionaram, em especial trabalhando no Terceiro Setor. A primeira delas é que é preciso ter informações técnicas para se realizar um trabalho de qualidade. Não basta apenas ter boa vontade e/ou o cargo profissional; é necessário compreender o funcionamento burocrático no qual a proteção básica está inserida. O conhecimento da teoria e a aplicabilidade do Suas, bem como o entendimento da legislação que regulamenta os trabalhos das organizações da sociedade civil são de extrema importância quando o objetivo é realizar um trabalho de qualidade. Para que isso seja efetivamente alcançado, é preciso que sejam oferecidas palestras e cursos de capacitações sobre o tema aos trabalhadores dos Suas, assim como também é necessário fugir do comodismo e aproximar-se da busca pelo entendimento, pressionar os órgãos públicos e mostrar que temos vontade de melhorar nossos serviços, deixando claro que sede de conhecimento teórico.
Em abril de 2016, tive o privilégio de participar do Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica (FIFE 2016), em Fortaleza (CE), promovido pela Rede Filantropia, que tinha como meta reunir atores do Terceiro Setor para discutir temas diversos da gestão, como comunicação, captação de recursos, contabilidade, voluntariado, legislação, tecnologia, entre outros, por meio de palestras, debates e sessões de consultoria coletiva. Acredito que eventos como esses são muito importantes, pois oferecem suporte técnico aos questionamentos em relação às burocracias enfrentadas diariamente nas entidades.
Como trabalhadora do Terceiro Setor, sedenta por novos conhecimentos, minha experiência no FIFE foi bastante produtiva. Além de absorver tudo o que pude em relação à legislação e, principalmente, à Lei n.º 13.019, tive a oportunidade de trocar vivências com diversos profissionais de todo o Brasil e perceber como as outras OSCs estão se adaptando em relação ao novo Marco Regulatório. Considero-me privilegiada por ter participado do evento e levarei à minha cidade os conhecimentos adquiridos, atuando como uma agente multiplicadora.
A segunda reflexão que minha experiência como trabalhadora do Suas proporcionou-me foi a do não julgamento. É necessário estarmos com a "cabeça vazia", como mencionado por Wellington Nogueira na palestra de abertura do FIFE 2016, para que possamos enxergar os usuários de nossos serviços não apenas como usuários, mas como sujeitos dotados de subjetividade, com experiências de vida diversas, na sua forma como um todo. É nessa situação que precisamos colocar em prática um sentimento nobre e extremamente necessário ao nosso trabalho: a empatia – a capacidade de colocar-se no lugar do outro e a tentativa de enxergar o mundo do outro através de seu olhar. É preciso ter sempre o olhar empático, em que, antes de julgar, busque-se compreender os motivos pelo qual o sujeito tomou ou não aquela decisão. A empatia possibilita que você pare e reflita antes de pré-conceituar algo ou alguém, e faz com que você leve em consideração a trajetória de vida pela qual a pessoa passou. Ver o sujeito que atendemos por meio de sua subjetividade é proporcionar um atendimento ético e humano.
Entretanto, é inevitável levar em consideração os conhecimentos que o curso de Psicologia me proporcionou para o trabalho como educadora social. Portanto, a terceira reflexão envolve dois temas: a Psicologia e as minhas vivências profissionais na atuação no Terceiro Setor.
Já é sabido que as relações familiares influenciam o comportamento da criança e do adolescente, porém é necessário dar mais ênfase neste aspecto. Vejo profissionais que, no discurso, sabem dessa influência, mas se esquecem disso na prática e trabalham apenas com a criança/jovem em uma visão reducionista da situação, esquecendo-se de envolver o laço social primordial: a família.
De acordo com o psicanalista britânico John Bowlby1, existe um tipo de vínculo chamado apego, no qual o senso de segurança está estreitamente ligado a uma figura de apego. A segurança e o conforto que essa figura representa permitem que a pessoa use-o como uma "base segura" e, a partir disso, possa explorar o resto do mundo. No relacionamento entre pais-filhos, Bowlby assinalou que existe o apego-cuidado como forma de vínculo social. Portanto, na infância, os processos de vinculação com os familiares são de extrema importância para o estabelecimento de um apego seguro ou inseguro.
Uma criança que não tenha uma referência ou uma figura de apego se sentirá insegura para explorar o mundo, para estabelecer novos vínculos e encontrará dificuldade para convivência. É sobre este ponto que quero refletir.
Os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) criam situações desafiadoras, estimulam as crianças e adolescentes na (re)construção de suas histórias e vivências. De modo geral, promovem o fortalecimento de vínculos e a convivência social, comunitária e familiar. É um espaço de proteção básica, no qual os trabalhadores podem identificar casos em que a criança ou o jovem não tem uma figura de apego, e fortalecer a relação familiar, a fim de que se estabeleça um vínculo de apego e promova uma base segura para o desenvolvimento psíquico e social do indivíduo em questão. Como alternativa, os SCFV podem oferecer uma "prótese" para o apego, como uma tentativa de substituir a falta de base segura que deveria vir de casa, mas em alguns casos não vem. Muitas vezes, os educadores sociais servem como figura de referência e forma-se um vínculo estruturante, podendo surgir daí a base segura para o enfrentamento das adversidades da vida. Eu mesma já vivenciei situações nas quais, claramente, servi como figura de referência a algumas crianças, e é isso que faz a função de educadora social ter tanta importância para mim.
Contudo, minha experiência possibilitou-me refletir sobre esses três aspectos: a necessidade de conhecimento técnico sobre o Terceiro Setor, o não-julgamento das pessoas com quem trabalho e a importância de estimular o vínculo familiar como meio de fornecer uma base segura para a criança e/ou o adolescente. Acredito que estes são grandes desafios que teremos que enfrentar. Apesar disso, sei que com uma dose extra de dedicação e amor à causa essa jornada se tornará mais leve e, como sempre, gratificante.
1BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. (Trabalho original publicado em 1979)