Ao longo da história da humanidade, as sociedades e comunidades, com intuito de autopreservação, se uniram para atender suas necessidades, fossem materiais ou espirituais. Porém, nos últimos cem anos, assistimos a uma crescente preocupação, e ação, para aprimorar os sentimentos de solidariedade, caridade, e amor ao próximo. Duas guerras mundiais, o medo de uma hecatombe nuclear, epidemias resultantes de novos agentes patogênicos e mudanças climáticas são períodos de perigo real para a existência e sustentação da vida em escala global, e com repercussões distintas em cada região.
Devido a essas ameaças, e num contexto em que necessidades e prioridades mudaram drasticamente, seja devido ao progresso do conhecimento científico ou ao acúmulo sucessivo de riqueza com a prevalência do modelo econômico capitalista, a busca de recursos para enfrentar adversidades também ganhou relevância. Da caridade individual passamos para o investimento social institucionalizado em famílias, comunidades e empresas. Organizações da sociedade civil, incluindo fundações doadoras de recursos, passaram a existir e ganhar relevância social.
Diante de uma nova pandemia que leva ao Covid-19, seria importante conhecer como se desenvolveu esse processo de captação de recursos neste último século, e concluir o que podemos aprender hoje a partir dessa evolução.
Há inúmeras referências sobre a necessidade de captação de recursos em diferentes relatos encontrados entre os clássicos gregos e romanos, e também na própria Bíblia, em que se relata, no Êxodo, a construção do tabernáculo, e avança para a Idade Média, e nas ações caritativas da Inglaterra elisabetana.
Por uma questão de brevidade, resumimos alguns fatos históricos importantes para conhecer a captação de recursos:
• Doações de caridade aparecem nos textos e práticas sagrados do judaísmo, cristianismo, islamismo, hinduísmo e budismo, entre outras religiões.
• A dinastia Sung dirigia cozinhas de sopa na China no século 10.
• Em 1552, Roxelana, esposa do sultão do Império Otomano, abriu um complexo de caridade em Jerusalém para viúvas, órfãos e pobres.
• A tradição de doações da tribo Zulu, na qual doadores e receptores são iguais, foi estabelecida no século 17.
• A palavra “filantropia” entrou no idioma inglês em 1600.
• Em 1601, o Estatuto dos Usos de Caridade foi aprovado na Inglaterra, colocando nas paróquias locais a responsabilidade de cuidar dos pobres. O revolucionário sobre essa prática é que a implementação do que chamamos de “programas” foi feita no setor privado, mas supervisionada pelo governo.
• Sociedades beneficentes e empreendimentos de caridade, como escolas, e auxílio a refugiados, orfanatos e hospitais, surgiram em todo o mundo nos séculos 18 e 19.
• O Exército da Salvação realizou sua primeira campanha de rua na Chaleira de Natal em 1891.
Sabemos que os Estados Unidos tiveram uma participação importante para consolidar a filantropia como um instrumento de desenvolvimento social. Desde o surgimento das primeiras comunidades construídas por imigrantes europeus, e que deram o caráter de solidariedade às iniciativas conjuntas da cidadania, até o aparecimento da filantropia moderna, no início do século 20, voluntariado e filantropia têm papel relevante na construção da sociedade americana. Assim, influenciaram a história da captação de recursos.
No final de 1800, Andrew Carnegie se posicionou para a transformação na filantropia americana, dizendo às pessoas ricas que elas seriam desonradas se morressem sem doar seu dinheiro excedente a causas sociais. Tão importante quanto saber ganhar dinheiro, disse ele, as pessoas ricas devem doar seus recursos e escolher cuidadosamente as causas que devem apoiar, demonstrando a “sabedoria, experiência e capacidade superior” que fizeram deles uma elite financeira.
Juntamente com Carnegie, benfeitores ricos como John D. Rockefeller e Margaret Olivia Slocum Sage criaram algumas das primeiras fundações filantrópicas para a concessão de doações. Na primeira década de 1900, a reforma tributária introduzida pelo governo americano tornou mais fácil para indivíduos e empresas deduzir fundos para fins de caridade, alimentando ainda mais o movimento filantrópico já existente.
A captação de recursos moderna começou com a Associação Cristã de Moços (YMCA). Frank L. Pierce foi encarregado de arrecadar dinheiro para construir uma YMCA em Washington DC. Em dois anos de campanha, ele levantou US$ 270.000, mas ainda precisava de US$ 80.000, e as doações pararam de chegar. Felizmente, Pierce conseguiu um parceiro que o ajudasse a levantar o dinheiro e a inventar uma captação de recursos moderna no processo.
Em 1905, ele fez parceria com Charles Sumner Ward. Os dois homens criaram uma campanha para arrecadar o restante do dinheiro, tentando coisas que ninguém jamais havia feito. As três principais inovações da YMCA:
• Pierce e Ward contrataram um publicitário para sua campanha e usaram doações corporativas para pagar publicidade;
• Eles propositadamente mantiveram sua campanha curta, limitando-a a 27 dias; e
• Eles criaram um “relógio de campanha” para acompanhar as doações dia a dia com relação à meta fixada.
Funcionou muito bem. Pierce e Ward levantaram o dinheiro e, em 1913, estavam trabalhando internacionalmente e executando campanhas de vários milhões de dólares com as técnicas que haviam desenvolvido, entre elas a captação para a Cruz Vermelha Americana, de US$ 114 milhões.
Na mesma época, o bispo William Lawrence, pastor da Igreja Memorial de St. John, em Harvard, e chefe da associação de ex-alunos, foi solicitado a arrecadar US$ 2,5 milhões para aumentar os salários dos professores de artes liberais. Arrecadar dinheiro para os salários era novo para a captação de recursos da faculdade.
Historicamente, os ex-alunos haviam fornecido campanhas de capital, mas fariam o mesmo sem a promessa de um novo prédio ou melhoria do campus? Cabia a Lawrence descobrir.
Ele levantou o dinheiro, apelando aos ex-alunos de maneira “gentil”, por meio de uma carta. Os ex-alunos apareceram e Lawrence foi creditado como o criador de uma unidade de captação de recursos para a Universidade de Harvard.
A abordagem de Lawrence respeitava profundamente seu público e mantinha a discrição de propósito. Ele acreditava que “se você domina ou arrasta um homem por sua personalidade, pode receber o dinheiro dele uma vez, mas não da próxima vez”.
As técnicas estabelecidas por Pierce, Ward e Lawrence seguem sendo utilizadas com muito sucesso até hoje.
Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu em 1914, a captação de recursos se expandiu, embora já existisse para as boas causas. Em poucas semanas, organizaram-se concertos, bazares, dias de bandeira, atividades culturais - como matinês teatrais e concertos -, exposições e leilões para arrecadar dinheiro para uma miríade de instituições de caridade dignas. Houve desde campanhas nacionais, como a do National Relief Fund, na Inglaterra, ou da Cruz Vermelha americana que levantou e gastou US$ 400 milhões, até pequenas ações como hospitais locais ou casas para soldados convalescentes. Caixas de coleta começaram a aparecer nas mesas de restaurantes, damas da classe alta rondavam as ruas vendendo bandeiras para transeuntes, e cartões postais patrióticos eram produzidos aos milhares, com todos os lucros destinados à caridade.
Assim, depois da guerra, grandes instituições de caridade nacionais começaram a surgir: Sociedade Americana do Câncer, Liga Nacional Urbana, Escoteiros da América, Escoteiras, Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor.
Durante a Grande Depressão (1929-1939), as pessoas permaneceram caridosas, mesmo quando seus recursos eram limitados. Mudanças na legislação tributária tornaram possíveis as doações corporativas, e elas ocuparam uma parte maior dos recursos doados. A captação de recursos também mudou para incluir apelos a doadores da classe média e baixa.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) trouxe um retorno à captação de fundos focada na guerra. As pessoas se reuniram para apoiar as tropas e tentar resolver os problemas sociais causados pela guerra, como fome e reassentamento de refugiados.
É difícil expressar o quanto a televisão mudou o mundo. Do que compramos à forma como conversamos, a televisão moldou nossa cultura de inúmeras maneiras, trazendo imagens, mensagens e pessoas desconhecidas diretamente para dentro de nossas casas. Portanto, não é surpresa que ela tenha mudado a história da captação de recursos.
O primeiro Teleton foi em 1949. Em 1950, apenas 9% dos lares americanos tinham um aparelho de televisão. Mas, em 1960, esse percentual era drasticamente maior: 87%!
A estrutura dos Teleton foi estabelecida desde o início e não mudou por muitos anos. O programa alternava entre entretenimento e apelo por recursos em benefício de uma instituição de caridade. A televisão passou a ser um instrumento para ampliar a massa de possíveis doadores. Além de arrecadar dinheiro, também possibilitava a conscientização de causas.
O mais famoso dos Teleton começou na cidade de Nova York em 1966, quando o Teleton do Dia do Trabalho da Muscle Dystrophy Association, liderado por Jerry Lewis, foi ao ar pela primeira vez. O evento, de 21 horas, levantou mais de um milhão de dólares. Em 1970, foi transmitido de costa a costa. Foi veiculado nacionalmente, sob a condução de Lewis, até 2010, e depois passou por uma mudança no formato - mais curto e mais atraente para o público moderno.
No Brasil, temos o Criança Esperança, da Rede Globo em parceria com a UNESCO, e o da AACD – Associação de Assistência à Criança Deficiente, com o apoio do SBT. Ambas são maratonas televisivas dedicadas à sensibilização e mobilização da sociedade em torno de uma causa. São mais de 24 horas ininterruptas de programação dedicadas a compartilhar histórias dos beneficiários e os resultados dos trabalhos nos projetos financiados com os recursos de doação, com a participação de artistas, figuras importantes de vários campos profissionais, e doadores que atuam como sensibilizadores de novos doadores. Em 2019, a AACD arrecadou R$ 30 milhões com o Teleton, que é considerado hoje a maior campanha organizada de solidariedade do Brasil.
A televisão também propiciou campanhas publicitárias de organizações filantrópicas, contando histórias de seus casos de maneira mais profissional e rápida. Passaram a usar ferramentas da publicidade comercial para demonstrar o impacto das organizações, incluindo música evocativa, imagens intensas ou até perturbadoras, e pedidos de doações por parte de celebridades.
Sally Struthers, atriz e ativista norte-americana, mais conhecida nos Estados Unidos por sua atuação em Tudo em Família - pelo qual ganhou dois Emmy Awards -, tornou-se a porta-voz do Christian Children’s Fund em 1976, angariando à organização milhões de dólares. Seu trabalho, primeiro para o CCF e depois para o Save the Children, tornou-se icônico.
A publicidade na televisão não ficou isenta de controvérsias. O estilo emocional e dramático de contar histórias em alguns anúncios de caridade foi criticado por explorar as populações que procurava servir, retratando as pessoas no mundo em desenvolvimento como vítimas desamparadas, com pouca consideração por sua dignidade.
Esse estilo de anúncio caiu em desfavor e as organizações, em geral, avançaram em uma direção mais positiva com suas imagens e arrecadação de fundos nos anos 90. Aqui temos o exemplo dos Médicos Sem Fronteiras.
Durante a segunda metade do século 20, as organizações sem fins lucrativos não usavam apenas a TV, é claro. Elas continuaram a usar cartas de mala direta e eventos de captação de recursos pessoalmente, mas uma nova mudança estava sendo gestada, ainda mais importante que a televisão: a captação de fundos por meio da tecnologia digital.
O número de brasileiros que usam a Internet continua crescendo. Atualmente, fala-se em 70% da população, o que equivale a 126,9 milhões de pessoas em 2019.
Como a televisão antes, o avanço tecnológico dos computadores e da Internet mudaram radicalmente a sociedade no período de uma década. As organizações sem fins lucrativos começaram a se adaptar a essa mudança. No início, elas usavam a Internet da mesma forma que tinham impressos e mala direta - os sites forneciam informações estáticas sobre as organizações e suas causas, como um folheto, e o e-mail surgiu como uma maneira de baixo custo para distribuir informações e boletins.
Progressivamente, as organizações da sociedade civil passaram a se apropriar das ferramentas que a rede oferecia para espalhar suas causas, criar consciência e relevância sobre suas atividades, e interagir com seus doadores, além de aproveitar a oportunidade para chegar a novos potenciais apoiadores.
As organizações passaram a sistematizar melhor suas histórias para mostrar os beneficiários e os impactos em suas vidas, especialmente por imagens e vídeos, que são facilmente mais consumidos no meio digital, e ajudam a criar uma compreensão melhor dos projetos e da atuação da organização, além de atrair mais pessoas para apoiar a causa.
Outra dimensão da rede rapidamente acolhida foi a criação de redes sociais de interesses específicos, congregando organizações sociais prestadoras de serviços, apoiadores financeiros, especialistas do setor, etc. Assim, tornou-se possível uma mensagem unificada sobre a importância de uma causa, bem como a possibilidade de estabelecer sinergias para um impacto social maior. Um exemplo é a Rede Nacional pela Primeira Infância.
Esse é o diferencial que a era digital traz para as organizações. Por meio de acesso a informações, conhecimento e práticas disponibilizadas em uma rede social, os doadores participantes podem se transformar em defensores de uma causa, e assim, estimular outros doadores a participarem da arrecadação de recursos.
Outra consequência da Internet foi o avanço progressivo do uso de meios de pagamento on-line. À medida que as pessoas ficavam mais confortáveis pagando bens e serviços, passaram a acreditar nas plataformas de doação, possibilitando diversos modelos de arrecadação, inclusive o hoje popular crowdfunding.
Nos primeiros anos do século 21, a Internet se tornou ainda mais interativa. O Facebook foi fundado em 2004 e permitiu que organizações sem fins lucrativos iniciassem suas páginas em abril de 2006. Nesse momento, elas começaram a usar as mídias sociais para construir relacionamentos, compartilhar conteúdo e arrecadar fundos.
Mais uma vez, a tecnologia era nova, mas a mensagem era clássica: se todos participarem, podemos fazer algo novo. As mídias sociais forneceram uma maneira fácil para as pessoas compartilharem projetos com toda a sua rede social de uma só vez.
Em 2007, a Apple lançou o primeiro smartphone, seguido pela Google, em 2008. Esses smartphones não foram os primeiros celulares a se conectar à Internet, mas inauguraram uma nova era de usabilidade e conectividade. De repente, foi possível doar para uma instituição de caridade on-line de qualquer lugar, não apenas de um computador doméstico ou do local de trabalho. As organizações sem fins lucrativos e o financiamento coletivo tiveram de se adaptar novamente para possibilitar doações via smartphone e mensagem de texto.
Os avanços tecnológicos de cada dia podem parecer intimidadores. Mas o que une a arrecadação de fundos de 1900 até agora é conectar indivíduos, famílias, comunidades e toda a sociedade com causas que nem governos, e nem o mercado, isoladamente, podem mudar.
Como profissão, a captação de recursos é bastante jovem. Fizemos um tremendo progresso em organização, profissionalismo e tecnologia nos últimos anos. À medida que avançamos, não há dúvida de que faremos novas descobertas, tentaremos novas técnicas e desenvolveremos novas tecnologias. As principais técnicas de captação de recursos hoje se tornarão também parte da história. Ainda assim, quanto mais as coisas mudam, mais algumas coisas permanecem as mesmas: pessoas, generosidade e crença num mundo em que o bem comum deve orientar as decisões de doadores em benefício de nossa humanidade.
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