País no qual a corrupção possui tentáculos em todos os poderes constituídos e anda de mãos dadas com empresas acima de qualquer suspeita, e naturalmente está presente nos usos e costumes de grande parte da população, o Brasil tem dado passos — embora lentos — em direção à construção de uma cultura de fiscalização e cobrança do uso correto do dinheiro público.
O caminho é longo e tortuoso, visto que ainda ocupamos o 79º lugar entre 176 nações em ranking de 2016 sobre a percepção de corrupção no mundo, divulgado em janeiro pela ONG Transparência Internacional. O levantamento considera a percepção que a população tem sobre a corrupção entre servidores públicos e políticos.
Presentes em 108 municípios de 19 estados, os Observatórios Sociais têm cumprido bem seu papel fiscalizatório. Esses espaços democráticos e apartidários são compostos por entidades representativas da sociedade civil e cidadãos, com o objetivo de contribuir para a melhoria da gestão pública e do combate à corrupção.
Estima-se que a cada R$ 1,00 doado a um Observatório Social haja retorno de R$ 17,00 de economia de recursos públicos que seriam gastos por má gestão. Em Ponta Grossa (PR), por exemplo, a prefeitura pretendia pagar R$ 20 mil em cada carrinho de limpeza que custava R$ 418,00 no mercado. No mesmo estado, na cidade de Paranaguá, após denúncia do Observatório Social local, a gestão municipal admitiu engano nas quantidades e cancelou pregão público para a compra de sacos de lixo e papel higiênico, evitando o gasto de R$ 10,417 milhões.
“A presença em 108 cidades é um número pequeno se pensarmos que o Brasil tem 5.570 municípios, mas é um começo. E ainda temos de lidar com uma grande questão, que é a falta de envolvimento da população”, afirma a contadora Sandra Helena Pedroso, conselheira fiscal da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que, juntamente com a advogada Tatiana Bastos, membro da Comissão Especial de Licitações e Contratos Administrativos da OAB-RJ, encabeça o projeto de criação do Observatório Social do Rio de Janeiro.
Revista Filantropia: Quando a iniciativa começou?
Sandra Helena Pedroso: A iniciativa teve início em outubro de 2016, com um evento aberto para os cidadãos do Rio de Janeiro, que contou com a participação do Observatório Nacional.
Filantropia: Quantas pessoas formam o grupo que encabeça o projeto?
Sandra: O grupo de coordenação de implantação é composto por 12 pessoas, entre contadores, advogados, economistas e engenheiros.
Filantropia: Quanto tempo demora, em média, entre o primeiro passo e a operação de um Observatório Social? Em que estágio está o Observatório Social do Rio de Janeiro?
Sandra: Cada lugar tem um tempo diferente de maturação e de organização de implantação. Estamos agora na discussão da redação final do estatuto, mas ainda buscamos recursos para o primeiro ano de funcionamento. Os observatórios são distribuídos por cidade, porque cada uma tem uma organização pública diferenciada, e dependemos muito da própria população e de voluntários.
Filantropia: Qual é a expectativa de iniciar as atividades e quais são os resultados esperados para o primeiro ano de atuação?
Sandra: Temos atuado em várias frentes, como na alimentação escolar, verificação de licitações, entre outras, e na busca de parceiros mantenedores e institucionais. A previsão é que a fundação aconteça entre julho e agosto deste ano. Passaremos por um período de capacitação do corpo de voluntários para início das atividades entre novembro e dezembro 2017.
Filantropia: Quais são os objetivos gerais do Observatório Social do Rio?
Sandra: Nossos principais objetivos são: monitorar as licitações públicas e as contratações, desde o procedimento interno até a entrega final do objeto contratado; orientar os contribuintes, atuais e futuros, e a comunidade em geral sobre a importância socioeconômica dos tributos; informar a comunidade sobre a composição da carga tributária na renda, no consumo e na propriedade. Também pretendemos disseminar e aplicar os instrumentos de controle da transparência e da qualidade da aplicação dos recursos públicos, difundidos pela Rede OSB; capacitar os pequeno e médio empresariados para participar do processo licitatório; promover palestras de divulgação da legislação anticorrupção e da necessidade de prevenção de práticas corruptas, em parceria com entidades empresariais; participar da organização de cursos, seminários ou workshops para discussão da legislação anticorrupção e sobre a elaboração dos planos de prevenção à corrupção; bem como realizar palestras sobre prevenção à corrupção para diretoria e funcionários de empresas a fim de sensibilizar para a importância da ética e da integridade nos negócios.
Filantropia: Como os Observatórios Sociais podem dar conta de fiscalizar o uso dos recursos públicos se o Brasil tem altos índices de corrupção e de falta de transparência?
Sandra: Este é o nosso desafio! Por isso, é muito importante haver um grupo forte com voluntários e a participação de uma população engajada. Para tanto, trabalharemos no monitoramento de licitações e dos principais contratos municipais, dos recursos humanos, das receitas do município e da produção legislativa. No Poder Judiciário, haverá o monitoramento sistemático dos processos judiciais abertos contra gestores e órgãos públicos.
Filantropia: Como você analisa a existência de Observatórios Sociais em apenas 108 municípios? O que falta para ampliar este número?
Sandra: Ainda é um número pequeno se pensarmos que o Brasil tem 5.570 municípios, mas é um começo. E ainda temos de lidar com uma grande questão, que é a falta de envolvimento da população nesse quesito, seja por ausência de conhecimento técnico ou por desconhecimento de seus direitos, ou, também, por não querer se incomodar com esse assunto.
Filantropia: Quando um Observatório Social constata, preventivamente, a possibilidade de desvios de finalidade no uso do dinheiro público, como ele age?
Sandra: A ideia é que o Observatório atue preventivamente, por meio de denúncias ao Ministério Público e ações públicas. Porém, em todas as cidades onde existem Observatório Social isso não tem mais ocorrido.
Filantropia: Entre os programas sugeridos no Observatório Social do Rio de Janeiro, serão abordados temas como a cidadania fiscal e a conscientização nas escolas e na comunidade. Como obter sucesso se a sociedade considera o “jeitinho brasileiro” como algo normal? Não é difícil mudar uma realidade quando se tem algo tão enraizado assim?
Sandra: Somente pela educação podemos transformar uma sociedade. E temos que reaprender ou aprender efetivamente o que é cidadania e respeito ao próximo. Porém, começamos a ver que as pessoas estão incomodadas com os desvios dos recursos. Temos que ter esperança.
Filantropia: Fale sobre a campanha de financiamento coletivo na internet para arrecadar fundos.
Sandra: É uma campanha no modelo flexível na plataforma on-line de doação Catarse. A meta é arrecadar R$ 23.241,00, e os recursos obtidos, mesmo sem atingir a meta, serão utilizados no projeto. Acreditamos que todos têm o direito de viver em um país que tenha uma boa gestão pública, mas, para isso, precisamos da atuação de todos.