Marcia Alcazar, presidente do Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo, fala sobre levar tecnologia e transformação à classe contábil
Todas as organizações da sociedade civil que buscam ter uma rotina organizada, transparente e que traga resultados eficientes precisam de uma área contábil extremamente habilidade para manter os controles em dia. Ou seja, a contabilidade e a gestão das organizações do Terceiro Setor devem caminhar de mãos dadas se o objetivo for atuar de forma transparente e com processos claros, o que certamente levará as ações de forma geral a terem mais sucesso. Em entrevista à Revista Filantropia, Marcia Ruiz Alcazar, presidente do Conselho Regional de Contabilidade (CRC) de São Paulo, fala sobre o papel do profissional contador, da importância da atualização constante dos conhecimentos e da relação com o Terceiro Setor.
Filantropia: Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional, até se tornar presidente do CRC-SP.
Marcia: A contabilidade está no meu DNA, e a minha decisão, ao escolher ser cientista contábil, sem dúvida foi inspirada pela história da minha família, já que sou a terceira geração de contadores. Meus pais, Chapina e Catia, são de uma família muito simples, filhos de guarda-livros. Meu avô materno, Alcides, trabalhou na iniciativa privada, e meu avô paterno, Fernando, na contadoria da prefeitura municipal de São Paulo. Meus pais se conheceram numa organização contábil, onde ele era responsável pela expedição e ela era operadora contábil. Nove meses depois se casaram e, mesmo sem dinheiro, decidiram empreender. Assumiram a firma de contabilidade do meu tio-avô João Alcazar, que não estava obtendo sucesso. Uma ousadia para quem só tinha 21 e 19 anos, respectivamente, recém-casados e ‘grávidos’. Pois é, eu nasci no mesmo ano em que meus pais também reativaram a Seteco, originalmente chamada de Alcazar e Monteiro. O nome atual significa Serviços Técnicos Contábeis – Seteco.
No CRC-SP, fui eleita conselheira efetiva em 2006 e atuei na vice-presidência de 2012 a 2017. Foram dois anos na área de Desenvolvimento Profissional, dois anos na área de Fiscalização, Ética e Disciplina e mais dois anos em Administração e Finanças, até chegar à Presidência. Esse processo de renovação do CRC-SP proporciona o desenvolvimento das competências multidisplinares exigidas para que possamos fazer uma representação adequada e alinhada às exigências da classe contábil. É de fato uma renovação responsável, consistente e que valoriza e fortalece as conquistas alcançadas ao longo da história. Presido o Conselho Fiscal da Associação Profissional Women Networking (PWN-SP); represento o CRC-SP em diversos grupos de trabalho, no Conselho Federal de Contabilidade, na Fundação Brasileira de Contabilidade, na Associação Comercial do Estado de São Paulo e sou associada do Sescon-SP e Sindcont-SP. Já fui associada ao Ibracon e à Anefac.
Filantropia: Como você avalia o papel da Contabilidade na atuação das organizações do Terceiro Setor?
Marcia: A contabilidade é essencial na gestão das organizações do Terceiro Setor. A contabilidade das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) deve estar de acordo com a ITG 2002 (R1) – Entidade sem Finalidade de Lucro, promulgada pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), em 2015. No entanto, nos casos não abordados pela ITG, deve-se seguir a NBC TG 1000 – Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas. Para avaliar isso, é necessária a assessoria de um profissional da contabilidade.
Filantropia: Muitas organizações sociais contratam contadores externos, que não vivenciam a realidade diária da instituição. Como você vê essa situação e qual é a recomendação, nesses casos?
Marcia: Independentemente de onde a contabilidade seja executada, interna ou externamente, o mais importante é que a discussão do estatuto social, do plano de trabalho, do orçamento e dos projetos tenha sempre a participação do contador. Mais do que vivenciar o dia a dia, é preciso entender a operação para que as melhoras práticas de gestão sejam adotadas, mitigando assim os riscos fiscais para proteção do patrimônio social. A contabilidade não pode ser vista pelo gestor como uma área à parte, pois ela está inserida em todas as fases e atividades desenvolvidas pela organização. É necessário que sejam alocados recursos para melhoria dos controles internos, pois muito se foca nos projetos e pouco se valoriza no back-office. É preciso profissionalizar e valorizar especialidades tanto dos que atuam à frente dos projetos, quanto dos que atuam na retaguarda e com os controles internos.
Os resultados, a prestação de contas, o diálogo com o contador deve acontecer periodicamente e não apenas na época da assembleia geral ordinária. Quem não reconhece e não valoriza a contabilidade deixa de se ser profissional e de melhorar em muito a sua gestão. Depois não adianta lamentar que a contabilidade não reflete a realidade. A qualidade da contabilidade está diretamente ligada à qualidade da gestão.
Ao escolher um profissional da contabilidade, verifique se ele e também tem toda a equipe técnica devidamente registrada no Conselho Regional de Contabilidade.
Além disso, peça a certidão de regularidade com o programa de educação profissional continuada. Quem cumpre, mesmo que voluntariamente, demonstra interesse em se manter sempre atualizado em termos de aquisição de conhecimento.
Filantropia: Considerando o lema “Movido por conquistas. Inovando pela profissão”, que recado você enviaria aos gestores das organizações sociais?
Marcia: Pretendemos buscar novidades e ir além das regularidades propostas pela modernidade, reconfigurando nossa forma de atuação e a forma como desenvolvemos nossos projetos. Será transformador! O foco em tecnologia é questão de sobrevivência, pois as transformações digitais estão mudando o perfil da profissão e de todo cidadão que precisa manter sua vida organizada e prestar os seus serviços da melhor forma possível. Hoje em dia, tudo acontece com muita rapidez, e assim ocorre também com os hábitos e exigências dos profissionais da contabilidade. Nessa era de revolução digital e SAC 3.0, acreditamos que os gestores das organizações sociais devem se valer do avanço das novas tecnologias para realizarem a transformação tão desejada. A presença e o engajamento proporcionado pelos meios digitais são universo à parte, e quem ousar não entrar nesse mundo ficará à margem dessa nova humanidade.
Filantropia: Quais são seus principais objetivos estando à frente do CRCSP?
Marcia: Sob o aspecto regulatório, divulgaremos as audiências públicas promovidas pelo CFC para que todos os profissionais possam ter voz ativa e contribuir com a regulação da profissão contábil em nosso país. Quanto ao desenvolvimento profissional, daremos total condição para que todos possam exercer a profissão de forma plena e cumprir com o Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC), por meio das atividades presenciais que realizaremos em todas as cidades onde se fizer presente uma delegacia do CRC-SP, e por meio dos conteúdos a distância. Também promoveremos discussões técnicas estimulando as ações livres e colaborativas entre os profissionais da contabilidade. Na área de fiscalização, acreditamos que toda ação de prevenção mitiga os riscos da profissão. Por isso, adotaremos medidas educativas para ampliar os procedimentos de fiscalização e intensificaremos as ações de combate à concorrência desleal e a fiscalização ativa dos serviços online de contabilidade. As denúncias continuarão sendo tratadas com total prioridade.
Para responder as questões de responsabilidade fiscal e orçamentária, iremos comunicar e prestar contas de tudo o que o CRC-SP faz pelo profissional, por meio dos canais oficiais e do Portal da Transparência para que todos possam acompanhar a aplicação dos recursos originários exclusivamente da anuidade profissional. Também reconheceremos e destacaremos os novos profissionais, os melhores formandos aprovados no Exame de Suficiência, os notáveis professores e profissionais que prestaram relevantes serviços à classe contábil. A novidade será a homenagem que prestaremos aos profissionais que mantêm seu registro ativo há mais tempo, sem ter nenhuma ocorrência ética disciplinar. Vai ser emocionante!
Nosso compromisso, ao apresentar propostas consistentes e alinhadas com as prerrogativas legais de uma autarquia federal, como é o CRC-SP, visa fortalecer as conquistas da classe contábil. Eu me sinto muito honrada em pertencer a um grupo de profissionais que lutam e defendem os interesses da profissão de forma tão responsável, transparente e ética.
Filantropia: É importante ressaltar também seu papel como liderança feminina no mundo da Contabilidade. Como você analisa a importância da inserção da profissional mulher no mundo da Contabilidade?
Marcia: Tivemos uma vitória histórica em 2015 quando disputamos as eleições para renovar 1/3 do plenário do CRCSP. Foi uma disputa entre duas chapas e cada uma delas encabeçada por mulheres contadoras. Tive a honra de encabeçar a chapa vitoriosa. Um marco de grande repercussão nacional! Essa vitória só aumentou a nossa responsabilidade, pois milhares de profissionais acreditaram em nossas propostas e apoiaram os resultados que vimos alcançando. Isso resultou numa harmonização de propósitos possibilitando uma composição única nesse pleito eleitoral de 2017 que alcançou 83,77% dos votos válidos. Manter a classe unida é um desafio e fortalece muito mais as nossas conquistas e, assim, queremos seguir honrando a escolha feita tanto pelos profissionais da contabilidade que acreditam e reconhecem o trabalho desenvolvido pelo CRC-SP em prol da profissão, quanto por aqueles que ainda se mantêm distantes por desconhecerem todos os serviços oferecidos. O lema que propus para essa gestão traduz a nossa essência: “CRC-SP - Movido por conquistas. Inovando pela profissão.” Tenham certeza que, assim como eu, todos nós, os 72 conselheiros eleitos, estamos prontos para servir com bom trabalho, ética e lealdade à classe contábil. Unidos, somos muito mais fortes!