O “Movimento Bem Maior” é uma organização que atua no Brasil com o objetivo de fortalecer iniciativas sociais em diversas áreas, visando criar um impacto positivo e duradouro nas comunidades. A organização apoia projetos grandes e pequenos, muitos dos quais estão localizados em áreas remotas ou menos assistidas do país. Em comum, essas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) enfrentam dificuldades em acessar recursos financeiros e lidar com questões de gestão institucional.
Com um trabalho que vai além da ajuda financeira, o Movimento também atua na capacitação de gestores, melhorias na infraestrutura, fortalecimento de redes locais e outras medidas para aumentar o impacto social dessas ações. Entre seus associados, figuram nomes midiáticos como o apresentador Luciano Huck e os presidentes de empresas Elie Horn (Cyrela) e Eugênio Matar (Localiza). Para se tornar um associado, é preciso ser indicado por algum membro da organização, além de realizar uma doação a partir de R$ 500 mil por ano.
Em entrevista à Rede Filantropia, o diretor de Operações e Relações Institucionais do Movimento Bem Maior, Richard Castilla Sippli, falou sobre os principais desafios na missão de ajudar os projetos sociais a prosperarem. “O Terceiro Setor, em seus múltiplos e complexos formatos, precisa se unir mais”, acredita. Confira os principais trechos do bate-papo:
Rede Filantropia — O Movimento Bem Maior deve receber, a todo momento, dezenas de solicitações de organizações para ajudá-las em seu trabalho. Qual o critério decisivo na escolha de um novo projeto para apoiar?
R: O Brasil possui várias demandas latentes, assim como muitas organizações sociais realizando ações incríveis nas comunidades onde estão inseridas. Mas é preciso lembrar que o Movimento Bem Maior tem uma quantidade limitada não apenas de recursos financeiros, mas também de equipe técnica para atender a todas essas iniciativas que causam um impacto positivo. Por isso, um dos critérios fundamentais que orienta nossa decisão de apoiar determinado projeto é justamente entender em qual deles nossa contribuição poderá agregar mais e melhores resultados. Buscamos as organizações que se enquadram no nosso escopo e, mesmo assim, existem mais instituições adequadas do que a nossa capacidade de atender. Daí a grande importância de agir para gerar impactos que sejam estratégicos.
De que maneira isso acontece?
R: A metodologia do Movimento Bem Maior está apoiada na geração de impacto sistêmico. Buscamos identificar quais são os pontos cruciais que estão impedindo os atores sociais de conquistarem melhores resultados naquela região. A partir daí, tentamos destravar aquele problema. Hoje, adotamos dois pilares principais de investimento, chamados de “Foco” e “Impulso”.
Poderia explicar melhor cada um desses eixos de trabalho?
R: O “Foco” tem como objetivo o desenvolvimento institucional direto nas organizações, enquanto o “Impulso” visa o desenvolvimento do ecossistema do Terceiro Setor. Nesse último caso, nós olhamos, por exemplo, para as organizações meio, isto é, aquelas que fazem a intermediação entre captar e entregar os recursos. Também olhamos para as OSCs que atuam nas frentes de Advocacy e, nesse sentido, tentamos identificar quais são os temas prioritários e, destes, quem tem maior capacidade para atuar positivamente sobre uma determinada causa. Ajudamos ainda centros de pesquisas cujos estudos possam jogar luz sobre caminhos que possam melhorar não apenas o campo social, mas fortalecer o Terceiro Setor como um todo. E contribuímos com apoio técnico, no contexto de narrativas, para que as organizações possam aprender boas práticas ou ter acesso a inovações, por meio de eventos e subgrupos temáticos do Movimento Bem Maior.
E o trabalho com foco direto nas organizações?
R: Neste caso, olhamos para organizações mais e menos robustas, mas cujo trabalho incide no desenvolvimento local. Para esse trabalho, é fundamental a gente entender o contexto onde estão inseridas, e isso só é possível por meio de uma escuta ativa da nossa parte. Essa capacidade de escutar as lideranças locais é uma das grandes qualidades do Movimento, pois são essas pessoas que têm o domínio completo do seu território e que conhecem a demanda melhor do que ninguém. Ao construirmos relações horizontais, conseguimos que as ideias evoluam de forma autônoma e que, posteriormente, cada aprendizado possa ser compartilhado com os demais beneficiários.
Rede — Qual é o maior desafio do Terceiro Setor hoje?
R: Acho que um dos meus grandes aprendizados até hoje foi entender o quanto o Terceiro Setor é diversificado. Cada organização tem características diferentes. Não existe só um formato de organização. O Terceiro Setor é extremamente diverso, bastante complexo. Por isso, precisamos estar sempre dispostos a nos adaptar a essas diferentes realidades e, assim, deixar nossa melhor contribuição possível. Mas o desafio mais frequente é a falta de recursos. Mas, mesmo dentro deste aspecto, existe outro grande gargalo: o desafio da captação de recursos.
Qual o maior desafio da área de captação?
R: O problema na captação de recursos é tão complexo quanto o Terceiro Setor. Esse gargalo não acontece inteiramente por culpa das organizações, mas, talvez, pelo modelo como boa parte da filantropia brasileira é feita hoje. Veja o caso dos financiadores: cada um tem um processo seletivo diferente do outro. Há financiadores que pedem um resumo da organização em cem caracteres, enquanto outros editais exigem um descritivo de 100 páginas. Há financiadores que pedem um vídeo, outros que as OSCs listem suas demandas num formato totalmente inédito para eles. O fato é que as organizações gastam horas em cada processo. Muitas desistem ou ficam reinventando os projetos para se encaixar nos editais.
A dificuldade é ainda maior com as OSCs sem estrutura?
R: Exatamente. As organizações grandes têm equipes robustas só para cuidar da captação. Mas as pequenas precisam não apenas arcar com um custo para contratar pessoal especializado, como, muitas vezes, mobilizar o seu time, que estava dedicado ao atendimento da comunidade, para ajudar nas questões administrativas da casa. Esse cobertor curto das organizações pequenas não ocorre apenas na hora de captar recursos. Vemos muitos projetos sem tempo para cuidar bem da área financeira, jurídica, de comunicação etc. Então, elas resolvem captar recursos para bancar a estrutura que precisam para captar recursos. Sabemos que os financiadores fazem seus editais com a melhor das intenções. Mas eles poderiam rever essas exigências de modo a facilitar os beneficiários, como na hora de listar os indicadores ou de mensurar os resultados alcançados, por exemplo.
Como o Movimento Bem Maior contribui para atenuar esse desafio?
R: Nós incentivamos muito o trabalho em rede. Por exemplo, quando há três ou quatro organizações no mesmo município, com uma pauta social semelhante. Eventualmente, essas organizações podem compartilhar um único profissional da área jurídica ou financeira. Trabalhando juntas, é possível pensar maneiras de realizar uma gestão mais eficiente sem prejudicar os atendimentos realizados. Temos um programa chamado Futuro Bem Maior, voltado a organizações de base comunitária em pequenos municípios, com alto índice de vulnerabilidade social. Nessas regiões, tentamos aproximá-las ao máximo. Ainda que tenham as mais variadas causas, todas atuam pelo desenvolvimento local. Às vezes, um simples grupo de WhatsApp é capaz de promover a troca de ideias necessária para que um projeto evolua com o aprendizado do outro.
Como melhorar a cultura da doação no Brasil?
R: A cultura da doação ainda é muito tímida no país. Claro, isso tem melhorado, sobretudo com a pandemia, que escancarou a importância da ajuda coletiva e o entendimento de que não basta a situação estar boa para um, pois é preciso estar boa para todos. Estamos evoluindo num ritmo bom, mas ainda é muito tímido. Para esse movimento de doação pegar tração no Brasil, é um trabalho complexo. Veja quanto tempo a questão sobre a cobrança de impostos para doação demorou para chegar à reforma tributária, por exemplo. Mas algo que teria um impacto positivo para fomentar essa cultura pode estar nas narrativas usadas para pedir recursos. As ONGs têm dificuldade em explicar para a sociedade o seu papel e a importância de eles contribuírem com recursos para esse trabalho crescer.
As pessoas desconfiam das organizações?
R: Muitas vezes, sim. Neste ponto, entra a necessidade de as OSCs investirem na transparência de suas ações e na comunicação para mostrar o quê, para quem, como e por quê abraçam determinadas pautas e projetos. Hoje, os potenciais doadores se sentem acomodados ao dizer: “-Não conheço, logo, não ajudo”. É preciso quebrar essa barreira, desmistificando histórias que eventualmente possam ter prejudicado a credibilidade das organizações. O Terceiro Setor precisa se unir mais e investir em narrativas para furar a bolha e trazer mais atores da sociedade para perto de nós. Afinal, o grande diferencial do Terceiro Setor para os demais da economia é justamente nossa capacidade de colaborar e trabalhar em conjunto.
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