Organizações da sociedade civil e gestores públicos apostam cada vez mais na geração de indicadores sociais para a
criação e o desenvolvimento de projetos e políticas governamentais
Trinta anos após a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) criarem o Marco Lógico – um dos primeiros instrumentais para planejamento, monitoramento e avaliação de resultados e impactos –, parte do universo de 820 mil organizações da sociedade civil (OSCs) brasileiras e dos milhares de administradores públicos corre contra o tempo para entender e produzir indicadores (parâmetros avaliativos) em consonância com as respostas colaborativas ou fomentadoras de políticas públicas.
Ao mesmo tempo, o mercado de investimento socioambiental, formado por empresas e institutos corporativos, procura justificar o aporte de recursos às suas ações e às das OSCs apoiadas, diante do seu efeito (resposta ao objetivo traçado), eficiência (método utilizado e sistematizado) e efetividade (impacto dos resultados das ações diante da causa).
Além disso, a Lei nº 13.019/2014, que estabeleceu o Marco Regulatório do Terceiro Setor, consolidou no país a necessidade de estabelecer indicadores de efeito, eficiência e, principalmente, de efetividade, ou seja, de influência de um projeto/programa diante de uma causa.
Segundo a especialista em desenvolvimento institucional e avaliação socioambiental, Carol Zanoti, a busca das ações das organizações da sociedade civil, do mercado e do poder público por mensurar de forma clara – quantitativa e qualitativamente – seus resultados, metodologias e impactos nas políticas públicas, tornou-se fundamental para a própria existência das ações socioambientais.
“Porém, se formos aferir a quantidade de organizações que medem e/ou indicam seus processos, resultados e impactos, teremos uma lógica decrescente, em que a maioria mede resultados, a minoria, processos, e raríssimas e ousadas organizações medem o impacto dos seus programas/projetos”, argumenta.
Com mais de 30 anos de atuação na área socioambiental, Carol explica que na década de 1990, muitas organizações da sociedade civil buscavam aprofundar e mensurar seu monitoramento a partir de parâmetros (indicadores) apresentados pelas agências financiadoras demonstrando o quanto suas ações poderiam contribuir para alavancar uma causa, mas ainda sem o envolvimento de todos os públicos e com foco apenas no monitoramento de resultados, e não no impacto.
“A criação da certificação das OSCIPs colaborou muito com esse processo, pois incluiu o parâmetro de não só realizar processos de desenvolvimento, mas também, de estabelecer o quanto esses processos poderiam servir de referência – interesse – diante de uma causa”, comenta.
De acordo com ela, mesmo com avanços normativos e reflexivos, a lógica das OSCs as leva a continuar realizando muitas ações para responder às demandas, com frequência não de forma colaborativa com o primeiro e o segundo setores, mas para gerar sobrevivência à própria organização.
“Falta aos públicos envolvidos um entendimento essencial – teórico e prático – sobre conceituação metodológica e prática diagnóstica de efeito, eficiência e efetividade. Não se constrói um processo avaliativo sem dar prioridade aos princípios da propriedade, precisão, viabilidade e utilidade, e que esse processo possa ser feito entre todos os envolvidos”, explica.
O primeiro princípio, o da propriedade, determina que a primeira etapa do processo avaliativo deve ser um diagnóstico que envolva a participação de todos os atores, que ao analisarem os dados primários e secundários do território, da população e da cultura estabeleçam de forma clara e precisa qual é a causa (motivo de existência da ação) e seus desafios locais e globais (contextualização singularizada e participativa das capacidades envolvidas nas ações).
“Esse diagnóstico é o Marco Zero, que não contém somente o levantamento de dados, mas que estipula, com propriedade, quais são os objetivos e as metas desejados e possíveis dentro de um cronograma”, salienta Carol, diretora da DHZiper Comunicações e Consultorias no Terceiro Setor.
O segundo, o da precisão, enfatiza os objetivos e as metas estabelecidos e justificados diante de um cenário presente e futuro, sendo gerados os parâmetros de monitoramento das ações. Ou seja, são criados os indicadores de monitoramento para não só avaliar se as ações estão sendo feitas (indicadores de efeito), mas também como elas estão sendo sistematizadas (indicadores de eficiência).
“Inclusive com instrumentais próprios de monitoramento para que cada stakeholder possa, no decorrer do processo do projeto/programa, dar maior precisão metodológica e mensurar se os objetivos e as metas traçados estejam realmente sendo atingidos, tanto quantitativamente, quanto qualitativamente”, reforça.
O terceiro princípio, o da viabilidade, dá conta de que durante o processo de monitoramento deve-se mensurar, de forma específica, qual é a contribuição de cada stakeholder nas viabilidades, tanto das ações quanto do próprio monitoramento e da sistematização dos processos. Em outras palavras, medir quanto e qual foi a capacidade de cada membro do processo em colaborar para o efeito (resultado diante do objetivo) do projeto/programa.
“Essas mensurações resultam no fortalecimento das metodologias atualizadas e suas otimizações para que se democratizem tecnologias e soluções práticas diante de uma causa - ou seja, a eficiência do projeto/programa”, frisa Carol.
Por último, o princípio da utilidade, para o qual, ao final do projeto/programa não basta para medir seu efeito ou eficiência, mas se houve, afinal, a efetividade, isto é, se os resultados e a metodologia aplicada, experienciada, monitorada e sistematizada são úteis para impactar a causa. “Assim, só faz sentido se bons efeitos e boas eficiências servirem, de fato, para identificar parâmetros de como gerar sustentabilidade na causa”, complementa a especialista.
Para Carol, hoje há um número significativo de profissionais, organizações e equipamentos públicos e privados que desenvolvem métodos e instrumentais de mensuração de efeito e eficiência. No entanto, reitera, são pouquíssimos ou pouco visíveis os setores que conseguem identificar a efetividade de suas ações.
“Os indicadores são construídos pensando somente na mensuração do que foi feito e, menos significativamente, como são feitos. Ainda temos poucos profissionais e organizações - de todos os setores - que conseguem desenvolver métodos e instrumentais para medir a quantidade e a qualidade do impacto diante da causa. Um dos principais motivos dessa deficiência é a falta de clareza da própria causa”, considera Carol, uma das palestrantes e membro do Conselho Consultivo da Rede Filantropia.
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) mantida pelas Empresas Bancorbrás e que há dez anos atua no Distrito Federal e nas capitais, o Instituto Bancorbrás iniciou, em 2017, a primeira fase de implantação de indicadores sociais, por meio da criação do índice de maturidade organizacional e da causa institucional. O trabalho de construção desse processo envolveu diretores, colaboradores, parceiros e beneficiados.
A OSCIP empreende programas e projetos voltados para a promoção do protagonismo de indivíduos e instituições que fomentam a educação e formação cidadã de crianças e adolescentes, a preservação do meio ambiente, além de estimular mais qualidade de vida pelo esporte.
“A ideia surgiu no segundo semestre de 2016. O nosso interesse pelos indicadores sociais nasceu da necessidade de saber o impacto social do Instituto Bancorbrás por conta da proximidade da primeira década de atividades. Para nos orientar na criação desses indicadores, contamos com o apoio da consultoria DHZiper, que nos auxiliou na descoberta da nossa causa social e no desenvolvimento do índice de maturidade, necessários para iniciar os trabalhos da primeira etapa”, conta Roberta Abreu, coordenadora da organização, onde atua na área de responsabilidade social corporativa e investimento social privado.
Aplicados efetivamente neste ano, o monitoramento e os indicadores têm ajudado a identificar as organizações sociais e a mapear o grau de maturidade institucional de parceiros e beneficiados da OSCIP.
“Após esse diagnóstico inicial, a ideia é traçar estratégias de fortalecimento das nossas ações e desenvolver outras metas para as situações que precisam ser mais bem trabalhadas. Atualmente, a proposta do nosso monitoramento é ajudar a indicar pontos fortes e de melhoria nos serviços prestados, contribuindo para profissionalizar os atendimentos”, reforça Roberta.
Embora a OSCIP ainda esteja passando por um processo de levantamento dos resultados, a gestora ressalta que esse processo de criação dos indicadores gerou uma quebra de paradigma. “Na minha percepção, o Instituto Bancorbrás passou a ser visto como parceiro e não só como financiador dos projetos. Isso é um reflexo da maior aproximação com as organizações sociais credenciadas”, argumenta.
Há mais de dez anos se guiando pelo Marco Lógico, a Assistência e Promoção Social Exército de Salvação, no Brasil, vem utilizando essa ferramenta para diagnosticar as fragilidades e o índice de maturidade de sua comunicação interna.
Segundo Philippa Chagas, secretária de projetos internacionais da organização desde 2015, a ONG vive mundialmente, nos mais de 125 países nos quais atua, um processo mais intenso de accountability, ou seja, prestação de contas, transparência e trabalho responsável.
“Esse movimento é composto por quatro pilares - boa governança, medição de impacto, finanças e proteção à criança. Sendo assim, um processo constante de monitoramento e avaliação, quer interno ou externo, contribui para termos maior eficácia e eficiência em nosso trabalho social”, observa a gestora, salientando que esse processo já beneficiou os departamentos de comunicação, social, financeiro, de propriedades e jurídico.
De acordo com Philippa, o Exército de Salvação está promovendo processos de avaliação externa, análise de contexto e índice de maturidade de comunicação interna, que têm resultado em mais conhecimento dos atores envolvidos na elaboração da proposta e na implementação do programa nas unidades sociais.
“Seguindo a última avaliação externa e o início de um novo triênio em 2018, estamos ainda na fase inicial de implementação e, embora tenhamos estabelecido indicadores para o monitoramento e uma linha de base, somente conseguiremos avaliar o impacto e o sucesso dos processos mais adiante”, complementa Juliana Bicudo, coordenadora de programa do Exército de Salvação.